quarta-feira, 20 de fevereiro de 2008



20 de fevereiro de 2008
N° 15516 - David Coimbra


As mulheres odeiam bigode

Aconteceu algo grave com o bigode, para que as mulheres passassem a odiá-lo de 28 anos para cá. O quê? Não sei. O fato é que as mulheres apreciavam um bom bigode, e até comentavam uma com a outra:

- Ai, o bigode dele...

Hoje, não mais. Hoje as mulheres têm ojeriza ao bigode, sentimento que se cristalizou em dezembro de 1979. Exatamente naquele mês, daquele ano, deu-se uma ocorrência com o bigode que lhe roubou todo o prestígio com o público feminino. Espantoso.

Mesmo assim, e isso é importante, há homens que cultivam o bigode. Não é curioso? Ainda que saibam que as mulheres detestam o bigode, muitos homens o mantém frondoso e bem penteado. O que prova ser o bigode, mais do que um adereço capilar, um símbolo.

Foi por isso que as pessoas perguntavam, quando o Grêmio anunciou a contratação do Celso Roth:

- Ele ainda está de bigode?

Era o que todos queriam saber, todos, todos. Por quê? Direi por quê. Usarei como exemplo meu velho amigo Raimundão. Ele era grande, ele era forte e ele era mau. Raimundão. Sim.

Da chuteira 46 ao tampo da cabeçorra de melancia, passava dos dois metros. O peso, desde os 15 anos havia alcançado os três dígitos. Jogava no gol, mas, numa emergência, o time perdendo, jogo engrouvinhado, o mandávamos para a linha.

De centroavante. Aí o negócio era lançar a bola para o Raimundão. Se ela caísse à feição para o chute, cruzcredo!, saía um bazucaço que goleiro nenhum pegava e, se pegasse, o goleiro ficava com Nó nas Tripas. Horrível.

Outra: o Raimundão ia jogar com uma capanga debaixo do braço. Capanga, manja? Leva-tudo. Dentro daquela capanga, o Raimundão carregava... um revólver! Todo mundo sabia disso.

Ele saía do vestiário fardado, de chuteira, meião e calção, e com aquela capanga. Chegava à área e ia para dentro da goleira. Acomodava a capanga no fundo do gol, carinhosamente. A turma ficava olhando.

Uma vez, o Raimundão discutiu com o Diana e se irritou. Normal, o Diana era irritante. O Raimundão já vermelho, já bufando, e o Diana disse algo que o deixou ainda mais irritado, e o Raimundão se levantou de onde estava sentado.

E se levantou e se levantou e se levantou e não parava mais de levantar, ao que o Diana, prudentemente, saiu correndo. O Raimundão foi atrás, furibundo, de dentes rilhados, rosnando.

O Diana correu mais, lógico, o medo dá asas. Mas o Raimundão não desistiu, continuou a persegui-lo, a ira também dá asas, só que menores. O Diana entrou no edifício em que morava. O Raimundão atrás. O Diana subiu as escadas até o andar do seu apartamento. O Raimundão firme.

O Diana, finalmente, conseguiu se homiziar no apartamento e cerrar a porta à chave. Nem isso impediu o avanço do Raimundão, que, com um único pataço, aquele mesmo pataço que avariava os intestinos dos goleiros, botou a porta abaixo. A mãe do Diana, coitada, teve um troço, passou mal.

Esse era o Raimundão. Todos o conheciam e o respeitavam. Mas, um dia, alguém chegou com a notícia:

- O Raimundão está com bigode!

- Não! - Verdade. Um bigode. - Bigode, bigode, ou só aquele tipo buço de despachante?

- Bigode, bigode. Cabeludão.

- Não! - Sim. - Bááá, e agora? - Pois é.

A turma toda se inquietou. O bigode tornava o Raimundão mais perigoso do que a capanga com revólver. Porque o bigode, sobretudo nos dias de hoje, em que as mulheres sentem nojo de bigode, o bigode nesses dias é mais do que um enfeite; é uma declaração de intenções.

É por isso que as pessoas perguntavam se Celso Roth ainda tinha o bigode basto de anos passados. Se tivesse, continuaria a ser o velho Roth turrão, às vezes belicoso, pouco afeito a amenidades.

Se não tivesse, haveria chance de aí estar um novo Roth, um Roth mais meigo, mais doce, quem sabe até um Roth com três atacantes.

Pois bem. Roth não tem mais bigode. Seu rosto está glabro como a inocência. Um alívio para muitos. Mas há quem diga que ele está deixando crescer.

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