quarta-feira, 27 de fevereiro de 2008



27 de fevereiro de 2008
N° 15523 - Paulo Sant'ana


Minha saúde

Eu tenho uma característica, como cronista, da qual não consigo me afastar: só sei escrever sobre algo que esteja me angustiando ou me entusiasmando.

Por isso é que muitas vezes exponho aos leitores vísceras da minha privacidade. Sobre a minha saúde por exemplo.

Vai daí que todas as manhãs eu me enfronho na tremenda tarefa de tomar os primeiros cuidados do dia com minha saúde.

E tiro da minha pasta para segundos e últimos socorros os comprimidos que vou ingerir: um comprimido para proteger os rins do diabetes, um outro comprimido para controlar o colesterol, mais dois comprimidos vitamínicos que o neurologista Franciscone me receitou, até aqui com excelentes resultados, para me tirar a astenia das pernas e as tonturas da cabeça.

Até aqui são quatro comprimidos. Mas tem mais: tem outro comprimido vitamínico de nome japonês, Ginkolab ou coisa parecida, com o fim de erguer o esqueleto da modorra do desânimo.

São cinco comprimidos para as doenças pontuais, fora os comprimidos sazonais, que sempre aparecem em pessoa de terceira idade. Então, vez que outra mais um comprimido de antibiótico para as doenças respiratórias, como gripe e tosse por exemplo.

E também um regulador de humor, um comprimido que tira a irritabilidade, este último já tendo mostrado a que veio, estou suportando melhor nos últimos dias, por exemplo, o estresse do trânsito, deixei de correr atrás dos motoristas que me fecham ou insultam e saem voando a seguir, tentando fugir das minhas represálias.

Temos então que cinco comprimidos eu ingiro certo pela manhã, às vezes sete, outras vezes oito.

Já me disse um médico ilustre que não faz mal jogar na corrente sangüínea, de chofre, oito comprimidos, as substâncias não se anulam nem se confundem nocivamente no metabolismo.

Fora isso, mais tarefas para manter a saúde: todos os dias, pela manhã, tarde e noite, nas proximidades das três refeições, furo a ponta de meu dedo para tirar sangue e colocar num avaliador, um microcomputador, que dirá em quanto está minha glicemia.

Conforme a taxa de açúcar no sangue que mostra o resultado, vou calcular a quantidade de insulina que vou injetar na minha barriga.

Só aí são seis furos que faço no meu corpo, por dia, espetado com agulhas sibilinas, bem fininhas, com a finalidade de doerem menos.

Esta é a mão-de-obra diária que tenho com minha saúde. Mas tenho outros comparecimentos semanais ou quinzenais nos consultórios médicos, que se tornaram compulsórios para mim.

Por exemplo, cumpro a pena perpétua de aspirar os meus ouvidos de 15 em 15 dias, há anos, o que fiz muito tempo com o Dr. Moussale e, para deixar de chateá-lo, faço agora com o devotamento do Dr. Di Nardo. Não dói nada aspirar os ouvidos, mas como há 20 anos me doeu violentamente, então tenho medo.

A mesma coisa com a dentista Marisa, não dói nada, em compensação o medo que tenho quando estou sentado na cadeira da odontóloga me faz sofrer mais do que se doesse.

Já sei o que vão dizer os ingênuos apressados: pior seria se eu tivesse câncer, se já tivesse infartado, só que os exames e biópsias que faço periodicamente para evitar essas doenças mortíferas não têm no gibi.

Sou mais conhecido dos médicos que propagandista de laboratório, o que pareço, de vez que sempre empunho uma pasta, a pasta dos apetrechos de saúde.

Os médicos e enfermeiras dos hospitais e das clínicas me tratam por "tu" e parece que são familiares meus, tal a intimidade e o ingresso periódico que realizam na minha privacidade corporal todos os dias.

Há médicos, enfermeiras e assistentes que, quando chego aos consultórios, já estão com as requisições de exames radiológicos ou laboratoriais prontos para me entregar, quando não já impressos com um selo ou carimbo que não sei onde conseguiram: "Paulo SantAna".

E lá vou eu, driblando as doenças, gambeteando as moléstias, gastando os tubos com remédios caríssimos, que custam mais que as quatro taxas de condomínio que pago para a família atual e para a pretérita.

E lá vou eu, com mais de 16 cirurgias a que me submeti em minha exitosa e só por vezes desastrada carreira de paciente.

Graças a Deus, sou assistido pelos melhores e mais famosos médicos de minha cidade. E eles me tratam como se eu fosse filho deles.

Não fossem eles, e eu seria hoje só uma lápide.

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