sexta-feira, 22 de fevereiro de 2008



TRISTE NORDESTE

Eu venho ao Nordeste todos os anos. Religiosamente. Até várias vezes por ano. Já passei férias de 20 a 45 dias em quase todos os estados desta região.

Conheço os lugares mais famosos e alguns paraísos menos badalados. Meus pontos preferidos eram a Praia dos Carneiros, em Pernambuco, e Jericoacoara, no Ceará.

Parece que sempre é possível, no entanto, achar recantos mais bonitos e mais intocados. É o caso certamente de São Miguel dos Milagres, em Alagoas. Se não é a perfeição natural, está muito perto disso. Fica a menos de duas horas de carro de Maceió.

Deus deve ter ficado preocupado com a inveja de outros estados e, depois de ter brindado Alagoas com paraísos fantásticos, compensou com uma linhagem de políticos insuperáveis nas suas especialidades, de Marechal Deodoro da Fonseca a Renan Calheiros, passando por Fernando Collor de Mello.

Se arrependimento matasse e se Jesus não tivesse sido sacrificado algum tempos antes, quem sabe estaria aí uma hipótese ou até uma explicação.
O caminho de Maceió a São Miguel dos Milagres é uma aula de cultura brasileira.

Pega um pedaço, em condições de conservação de médio para baixo, da BR 101, essa nossa velha conhecida, que sai do Rio Grande do Sul e vai até o Rio Grande do Norte alternando buracos com falta de sinalização e, depois, uma estradinha marginal cercada de cana-de-açúcar pelos dois lados e de usinas abandonadas ou ainda em uso.

É como viajar por meio das páginas de alguns romances de José Lins do Rego ou de Graciliano Ramos. Dá uma mescla de angústia e de deslumbramento.

A pobreza decente e a miséria não se escondem de ninguém. Quem quiser entender o sucesso do presidente Lula e a relevância do Bolsa-Família, venha ao Nordeste.

Não é preciso uma só aula de sociologia para se compreender o quanto o Brasil, esse mesmo em que mais de 50% da população não é agraciada com o supremo privilégio dos serviços de esgoto, ainda está longe da 'civilização'.

São Miguel dos Milagres, a exemplo de tantos outros paraísos nordestinos, é uma 'ilha' de beleza cercada de pobreza e de (des)esperança por todos os lados.

O tempo não tem pressa de passar. Os políticos andam ocupados com afazeres mais importantes. Na tal estradinha pitoresca, portal do paraíso, pode-se ver, a intervalos regulares, ranchinhos de barro cobertos com palha ou folhas de vegetais.

São assentamentos de agricultores, aqueles que a reforma agrária, aos trancos e barrancos, arrancou da condição de sem-terra e transformou em pequenos proprietários.

Visto assim, da janela de um carro, o ambiente é desolador. Dá uma terrível sensação de marasmo e de atraso. Os progressos da tecnologia e da ciência parecem muito distantes. Quem se importa com isso?

Pedimos alguns esclarecimentos. Nossos informantes foram categóricos: 'Esses aí são uns malandros. Não querem trabalhar. Só pensam em mamar nas tetas do Estado'. Que malandragem estranha!

O pessoal deve ter pego o Estado numa época de vacas magras, pois as famosas tetas não parecem estar dando muito leite. Aqueles que acusam o governo federal de praticar algo terrível, o assistencialismo, chegam a ir mais longe com uma pergunta em tom de indignação: 'Por que eles não vão trabalhar?'

A resposta fica no canto dos lábios de alguns desempregados sob a forma de um sorriso irônico. Em seguida, preferem olhar para baixo e engolir em seco. Que malandragem!

juremir@correiodopovo.com.br

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