sábado, 16 de fevereiro de 2008



17 de fevereiro de 2008
N° 15513 - Paulo Sant'ana


A simples comida de que gosto

Amendoim torrado, paçoca de amendoim, pé-de-moleque, rapadura de amendoim, batida de amendoim, fui fazer um balanço dos alimentos que gosto de ingerir e cheguei à conclusão de que o amendoim, depois do espaguete, é a minha maior paixão gastronômica.

Já comi todos os itens acima enumerados, sendo que o amendoim torrado, natural ou com sal, é delícia que saboreio todos os dias.

E canto também o samba antológico: "Ah, este teu corpo parece/ do jeito que ele me aquece/ amendoim torradinho".

Arroz-de-leite é outra religião minha. Não posso entender como os supermercados de Porto Alegre não têm arroz-de-leite pronto para vender.

Quando o Zaffari tinha, eu era com certeza o maior cliente, arroz-de-leite com canela, claro que vem da infância este hábito que tenho de devorar uns três quilos por semana que mando fazer em casa. Molhadinho. É um dos maiores prazeres da minha vida.


Sobre o sagu, certa vez cheguei a escrever uma coluna inteira sobre essa minha paixão ancestral. Disse que tomava na ceia vinho Cabeça de Touro e no sagu mandava botar Châteauneuf du Pape.

Sagu com creme e mogango com leite era coisa de se ver todos os dias na mesa da minha casa na infância.

Tudo hábito alimentar da infância: feijão mexido, aipim frito, até hoje me ligo em churrascaria de espeto corrido que oferece aipim frito.

Batata-doce, panqueca de guisado, guisadinho de carne com abóbora, abóbora ou pimentão recheados de guisado de carne, guisado de carne com batata, guisado de carne em molho sobre o macarrão, guisado de carne principalmente recheando pastéis quentinhos, eu me vejo seguidamente comendo arroz, feijão e pastel, nem quero saber se esta é uma mistura correta, para mim é um dos melhores pratos do mundo, por isso é que sempre me dou mal no estrangeiro: os cardápios, pela ausência das comidas com que me acostumei na infância, chegam a me inspirar um certo terror.

Por exemplo, está muito difícil para mim aceitar os lanches vendidos em Porto Alegre. Eu sei que há muitas casas especializadas em bauru, só que nenhuma consegue fazer (era tão simples, por que será?) aquele célebre, inesquecível, lendário bauru da Confeitaria Matheus, na Rua da Praia, diante da Praça da Alfândega.

Nunca mais aquele pão e aquele queijo melado sobre o filé úmido e saboroso! Nunca mais!

Um dos meus fracos é a batida de abacate, mas por que nenhuma batida de abacate tem o sabor daquela que era servida no Matheus, no balcão da frente, onde também havia o mais inolvidável sanduíche de pernil de porco da história da humanidade?

Há prazeres na comida que ainda curto, mas há também prazeres enterrados, nunca mais revisitados, nas comidas que desapareceram:

aqueles bolinhos de batata recheados (sempre o guisado de carne, é uma tara) que serviam na lancheria da frente do Restaurante Dona Maria, na José Montaury, há 40 anos, nunca mais ninguém soube fazer.

O segredo da felicidade consiste em que a comida de que a gente gosta deve estar sempre ao alcance do desejo.

Crônica publicada em 27/12/1998

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