quinta-feira, 14 de fevereiro de 2008



14 de fevereiro de 2008
N° 15510 - Luiz Pilla Vares


Depois do Carnaval


Houve um tempo em que eu adorava escolas de samba. Ficava fascinado pelo desfile e até torcia por algumas delas: Imperadores do Samba em Porto Alegre, Portela ou Mangueira no Rio de Janeiro. Hoje não gosto mais e quero passar a quilômetros de distância da passarela do samba. Mudaram as escolas e o desfile, não eu.

Antes, o desfile do samba era um momento único, mágico. Era quando os anônimos do cotidiano se metamorfoseavam. Cozinheiras, garis, auxiliares de escritório, operários, faxineiras tomavam conta do espetáculo.

Transformavam-se em reis, rainhas, príncipes, personagens os mais diversos de um mundo encantado que só o samba era capaz de criar no contexto de uma arte inventada pelos cariocas e que se espalhou pelo Brasil e maravilhou o mundo.

Era uma verdadeira ópera terceiro-mundista, baseada em um enredo que originava músicas surpreendentes, muitas delas inscritas para sempre no rico repertório do cancioneiro popular brasileiro.

Mas a televisão foi, aos poucos, mudando tudo, de tal forma que hoje apenas com muito boa vontade é possível reconhecer o cenário mágico e envolvente descrito linhas acima.

Na verdade, o desfile do samba é feito atualmente para os turistas, para as câmeras de TV e para os camarotes dos ricos, dos endinheirados, que passam o ano todo o mais distante possível dos bairros populares e dos sambistas legítimos.

Um show gigantesco que deixa levas de turistas embasbacados e serve de palco para as crônicas sociais do Brasil inteiro. O encanto, a magia, a autenticidade se foram para sempre.

Em primeiro lugar, alegorias cada vez mais gigantescas e elaboradas ocuparam o lugar que era dos sambistas, dos passistas, e chegam mesmo a eclipsar as grandes estrelas de uma escola: a porta-bandeira e o mestre-sala.

O aprimoramento das alegorias se dá numa relação direta com o contínuo empobrecimento dos sambas, a cada ano mais repetitivos, mais medíocres.

Alguns enredos chegam ao cúmulo de serem patrocinados por governos, ávidos por atraírem turistas. E pior ainda: os patrocínios são justificados por dirigentes de escolas como forma de sobrevivência.

O paroxismo da decadência surge nas personagens: a passarela, antes ocupada pelo povo simples, hoje serve de palco para modelos e atrizes famosas, quase todas brancas e seminuas, loucas por promoção, loucas por câmeras e fotógrafos. Nada adianta tentar uma volta ao passado.

A nova forma veio para ficar e aos que não concordam com o novo formato, como é o meu caso, só resta dizer adeus e aproveitar o desfile de Carnaval para ficar em casa e descansar com um bom livro, distante do show moderno e globalizado.

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