sábado, 23 de fevereiro de 2008



24 de fevereiro de 2008
N° 15520 - Moacyr Scliar


Cobrindo (?) as vergonhas

A nudez evoca a inocência que precedeu o pecado, e isto em parte explica o sucesso do nudismo e de suas curiosas variantes

Os antecedentes da calcinha (e da cueca) podem ser encontrados naquela passagem do Antigo Testamento em que, depois de comer o fruto proibido, Adão e Eva dão-se conta de que estão nus e cobrem suas vergonhas com folhas de figueira, aliás uma árvore que, na Bíblia, não tem muito boa reputação.

O profeta Habacuc levanta a hipótese de que a figueira não dê frutos, como uma forma de testar a confiança humana na providência divina, e Jesus amaldiçoa a figueira exatamente por isso, porque a árvore a que ele recorre em busca de frutos só tem folhas.

Mais que isto, o Senhor, pelo jeito, não gostou muito daquela moda de folhas de árvore; então, diz o Gênesis, "fez para o homem e a mulher túnicas de pele e os vestiu". Estava inaugurada a indústria da confecção, sem modelos, sem desfile, sem nada.

E pelo jeito, naquela época, usar peles não era ainda politicamente incorreto (talvez fosse muito quente, considerando que até então Adão e Eva tinham andado pelados, mas era preciso ganhar o pão com o suor do rosto).

A nudez evoca a inocência que precedeu o pecado, e isto em parte explica o sucesso do nudismo e de suas curiosas variantes. Na semana passada, agências de turismo de Erfurt, Alemanha, começaram a vender passagens para o primeiro vôo da história destinado exclusivamente a passageiros nudistas.

Os passageiros deverão tirar a roupa depois do embarque e usarão uma toalha nos assentos, por questões de higiene.

É um triunfo das idéias do sociólogo alemão Heinrich Pudor (eis um nome que condiciona destino!), líder do nudismo e autor de várias obras sobre o tema. Podemos imaginar que nesse vôo sejam permitidos o cinto de segurança e, numa emergência, o colete salva-vidas; mas calcinha certamente estará proibida.

E aí está o dilema dessa peça do vestuário feminino: como o biquíni, deve vestir tanto quanto não vestir, ocultar tanto quanto sugerir. Porque a simples visão da genitália não chega a ser muito entusiasmante.

Em 1994 houve um escândalo neste país quando o então presidente Itamar Franco deixou-se fotografar ao lado da modelo Lilian Ramos, que estava, como as câmeras facilmente mostraram, sem calcinha.

Uma cena que tendia mais para o grotesco do que para o libidinoso e que não contribuiu muito para melhorar a imagem do primeiro mandatário.

Talvez seja por isso que, neste Carnaval, a modelo Viviane Castro optou por desfilar na Marquês de Sapucaí com um tapa-sexo de apenas quatro centímetros. A idéia é óbvia: quatro centímetros excitam mais do que nada.

Explica-se assim também a popularidade daquilo que os americanos chamam de panty fetishism, o fetichismo das calcinhas, uma forma de adoração sexual que envolve tanto o olhar como o contato.

E que é muito freqüente: numa enquete realizada na internet com cerca de 5 mil homens, 12% confessaram-se adoradores de calcinhas. No Japão existem lojas chamadas burusera que vendem (por altíssimos preços) calcinhas usadas.

Como brinde, os compradores (conhecidos pelo sugestivo nome de kagaseya, cheiradores) ganham fotos de garotas usando as ditas calcinhas. Pelo visto, a humanidade evoluiu muito, desde a época das folhas de figueira.

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