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sexta-feira, 1 de fevereiro de 2008
01 de fevereiro de 2008 | N° 15497
David Coimbra
Pesquisa e preconceito
Já estive em vários presídios. Porém como visitante. Repórteres de polícia volta e meia têm de ir a presídios, e muito já militei em editorias de polícia, e muito apreço tenho por histórias policiais.
No de Criciúma havia uma saleta pouco maior do que um banheiro de empregada que o administrador do presídio chamava, o orgulho içando-lhe o queixo, de biblioteca.
De fato, no lugar empilhavam-se revistas e livros, e mais: faziam retumbante sucesso. Os presos os requisitavam duas ou três vezes ao dia! Fiquei encantado com o interesse dos detentos pela literatura. Seriam os criminosos do sul catarinense os mais intelectualizados do Brasil? Depois de breve diligência, descobri que não.
Ocorria que o fornecimento de papel higiênico aos presos era escasso, e eles equacionavam o problema arrancando as páginas centrais dos livros a fim de empregá-las na limpeza pessoal, objetivo menos nobre do que a leitura, mas mais premente.
Conheci presídios gaúchos, também. E não poucas vezes fui a unidades da Fase para dar palestras aos internos. Nesses casos, o que mais chamou minha atenção foram os depoimentos dos meninos infratores sobre suas relações pessoais.
Quase 100% deles possuem um só vínculo emocional, um único liame que os mantém em contato afetivo com outros seres humanos: a mãe. É pela mãe que eles querem mudar de vida, salvar-se, sair da Fase e integrar-se à comunidade.
Despedia-me desses locais, dos presídios, das unidades da Fase, pensando que pouco se sabe dessa gente e no quanto seria útil saber mais.
A sociedade, informada das necessidades básicas dos presidiários, como essa tão básica de papel higiênico, talvez se movimentasse para supri-las. E as mães dos meninos da Fase, será que elas não poderiam ser utilizadas com mais inteligência na regeneração dos próprios filhos?
Falta-nos pesquisa, foi o que sempre pensei. Falta-nos informação.
Agora, cientistas gaúchos anunciaram a realização de uma pesquisa a respeito da violência justamente dentro das unidades da Fase. O que parece bastante lógico - lá estão adolescentes infratores, afinal.
Seria proveitoso identificar suas motivações, traçar seu perfil, saber do que precisam, o que os fez se apartar da sociedade. Conhecê-los, enfim. Para ajudá-los.
No entanto, um grupo politicamente correto tenta impedir a pesquisa, tachando-a de "prática de extermínio e exclusão".
O que concluir desses protestos? Que os cientistas interessados na pesquisa são asseclas do Doutor Mengele, nazistas sanguinários preparando o próximo Reich? Ou que os protestantes são obscurantistas, herdeiros do Santo Ofício, inimigos do Saber? Nem uma coisa, nem outra.
Os primeiros são profissionais das mais bem conceituadas universidades do Estado, cientistas sérios, eivados de boas intenções. Os segundos são professores, advogados, psicólogos, gente de alguma ilustração, enfim.
Onde está o problema, então? Na vaidade. Tudo é vaidade debaixo do sol, ensina o Eclesiastes. Só que, na Academia, a vaidade é mais corrosiva do que qualquer modalidade com a qual se poderia esbarrar há 29 séculos, quando o Eclesiastes foi escrito.
O grupo que se manifesta contra a pesquisa sabe que ela não é nociva. Mais: sabe que a pesquisa só pode acrescentar conhecimento, e o conhecimento não ceva o preconceito; ao contrário, o enfraquece. Trata-se de mera discussão acadêmica.
Pequenas tolices de grupos rivais. Vaidade intelectual, acredite, perplexo leitor. Mas acredite, também, nas palavras daquele antigo escritor, Celine, que dizia em francês, e assim fica muito mais bonito: "Não existe vaidade inteligente".
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