terça-feira, 11 de junho de 2013


11 de junho de 2013 | N° 17459
MARIO CORSO

Apressados

Quando estou apressado, lembro de um conselho de meu avô: “Estás com pressa? Então, faz devagar, pois só farás uma vez!”. O conselho é bom. Tentando ser rápidos, atropelamos as maneiras corretas de proceder e o preço é refazer ou desgastar a experiência.

Premidos pelo horário, engolimos a comida. Como fica sem gosto, comemos em dobro. Correndo, não vemos a paisagem nem o carrossel de pedestres. Afobados, não escutamos os outros. Mesmo os ruídos internos são abafados, nos distanciamos até de nós mesmos. A pressa é angústia maquiada.

A marca da nossa época é a velocidade. A indústria revolucionou a maneira de fazer objetos e a forma de encarar o tempo. A ordem é: mais produção em menos tempo. O trem, o automóvel e o avião encurtaram o mundo, e a internet o fez ainda mais próximo. Isso tudo é bem-vindo, mas é bom lembrar que esse é o modo de funcionar da máquina, não o nosso. Intimamente, nada mudou.

Para pensar e sentir, ainda somos os mesmos. Para aprender e assimilar os golpes da vida, o tempo cobra o mesmo preço. O mundo nos exige a velocidade da máquina, mas às vezes somos nós que nos espelhamos em nossa criação e queremos ser como ela: rápida, eficiente e sem sentimentos.

Existe um fado em que Amália Rodrigues canta: “Se não sabes onde vais, por que teimas em correr?”. A sutileza do verso capta outra dimensão da pressa: ela coloca sentido onde não há. Quem não sabe para onde vai corre a modo de formatar o caminho.

O apressado parece ocupado, sério, um trabalhador orgulhoso de sua missão. Nove entre 10 vezes, é apenas um desorganizado, atabalhoado, querendo nos fazer crer o contrário. Mascara com velocidade o vazio de sua missão, quando não, dele mesmo.

O novo DSM-5, a bíblia da psiquiatria americana, recém saído do forno, estipula em duas semanas o prazo para avaliar a passagem do luto normal ao patológico. Veja só, uma vida inteira ao lado de alguém e ficar arrasados por mais de 15 dias nos deixa sob suspeita. A dor de perder os pais, um filho, um amigo, agora funciona na lógica da legislação trabalhista.


Pelo jeito, a pressa, contingência de nossa época, subproduto da ordem industrial de conceber o mundo, virou parâmetro de normalidade. Pessoalmente, creio que nos pedem um coração de lata, só assim para se despedir tão rápido.

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