10
de junho de 2013 | N° 17458
ARTIGOS
- Paulo Brossard*
Boato
artificial
No
fim do mês passado, circulou notícia qualificada de boato envolvendo a Bolsa
Família, que causou expressivo desassossego. Ao aludir ao autor do suposto
rumor segundo o qual a Bolsa Família seria extinta, a senhora presidente
adiantou que o mesmo era desumano e criminoso e incumbiu a Polícia Federal de
identificar sua origem; oficializou, desse modo, a existência do boato quando
logo se ficou sabendo que de boato não se tratava, mas de erro, leviandade ou
desleixo da direção da CEF Caixa Econômica Federal; de fato, a entidade
antecipara de um dia o pagamento da Bolsa Família, fato interpretado como o
começo de sua extinção, e que veio a provocar a corrida verificada.
Para
defender-se, a CEF primeiro divulgou que, à vista da corrida, preferiu
antecipar o pagamento em causa; no entanto, sem demora, a versão engendrada
caiu por terra dado que a antecipação do pagamento ocorrera antes da corrida.
Note-se que o reconhecimento da responsabilidade da CEF, depois de verificada a
inveracidade da explicação, foi feito publicamente pela própria instituição
bancária.
O
assunto foi objeto de exame pela televisão em programa de larga repercussão e
que levou conhecida e apreciada jornalista a afirmar e reafirmar que a CEF
“mentiu” ao mencionar duas vezes que a corrida antecedera o pagamento e dela
teria sido causa, quando sucedera exatamente o contrário.
Desse
modo, o boato que não houve chegou a ser oficializado pela senhora presidente e
referendado pelo ministro da Justiça, que acrescentou ter tido orquestração
organizada e, por fim, segundo a secretária dos Direitos Humanos, a oposição
promovera o petardo publicitário.
No
entanto, o Ministério do Desenvolvimento Social, responsável pelo programa,
afirmou não ter havido nenhuma outra mudança nacional no calendário no atual
governo. Já que o boato inexistente ganhou tratamento presidencial, ocorre-me
lembrar do que escreveu Machado de Assis: “O boato é uma das mais cômodas invenções
humanas porque encerra todas as vantagens da maledicência, sem as
inconveniências da responsabilidade”.
Há
quem pense que a rapidez da senhora presidente em oficializar a falsa
informação, antes de saber se de fato ocorrera, é fruto da afoiteza de candidata.
Certo ou não, o presidente da República, seja homem ou mulher, não pode
ocupar-se de assunto rasteiro e de forma tão categórica, especialmente quando
em horas veio a ser liquidada como balela.
Obviamente,
a Presidência tem pessoas que podem ser incumbidas desses trabalhos miúdos,
isto sem falar nas ordens transmitidas por jornais à Polícia Federal para que
investigasse o fato, que não houve. Não obstante, há quem diga que, mais uma
vez, as cócegas da reeleição prejudicaram o bom senso da chefe do Estado. De
resto, é preciso lembrar que a presidente, exatamente por ser presidente, tinha
que ter perfeito conhecimento acerca da veracidade do “boato”.
Mas
este caso suscitou a lembrança de outro que vai passando como se não fosse
visível a um cego. Não é de hoje que a lei marca prazo certo para escolha de
candidatos e início de sua propaganda eleitoral.
Não
obstante, a presidente atual já foi batizada e crismada candidata à própria
reeleição, aceitou jubilosa a escolha do seu antecessor que, aliás, seria o
preferido dos numerosos partidários, muitos aplausos e muitos silêncios, mas a
indigitada sucessora de si mesmo não perdeu tempo e começou a mandar brasa,
quer dizer, passou a dirigir pessoalmente o início de sua campanha, a ponto de
declarar que, na entrega de veículos destinados a transporte de estudantes e
outras máquinas, era para relacionar o gesto da entrega com a pessoa da
doadora, como se a doação fosse dela e não da nação.
É
uma situação tão chocante, que gera perplexidade, ou porque a senhora
presidente esteja acima da lei e pode fazer o que o comum dos mortais não pode,
ou se tolera a prática ilegal para, mediante esse estratagema, na hora de
registrar a candidatura, ser fulminada como presidente infratora da lei e
deixar livre a cadeira já ocupada pelo indiscutível chefe partidário.
Estarei
a divagar nessa cegueira coletiva ou será alguma coisa além da vã filosofia?
*JURISTA,
MINISTRO APOSENTADO DO STF
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