01
de junho de 2013 | N° 17450
NILSON
SOUZA
Impressões
digitais
A
historinha contada em forma de diálogo é tão engraçada quanto perturbadora. O
homem telefona para encomendar uma pizza e descobre que a pizzaria foi comprada
pelo Google.
A
partir daí, é o atendente que comanda a conversa, antecipando a preferência do
cliente, sugerindo o melhor alimento para a sua saúde, lembrando-o de que não
está tomando o seu remédio regularmente e mostrando que sabe tudo sobre ele,
pois possui um banco de dados com todos os seus gostos e hábitos. É tamanha a
intromissão em sua vida, que lá pelas tantas o sujeito explode:
–
Estou farto da internet, de computadores, do século 21, da falta de
privacidade, dos bancos de dados e deste país...
E
cancela o pedido, avisando que no dia seguinte mesmo vai viajar para bem longe,
talvez para uma ilha desabitada na Oceania. Depois de um silêncio
constrangedor, o atendente avisa:
–
Seu passaporte está vencido.
O
Grande Irmão, profetizado por George Orwell, venceu a parada. Programas de
computador cada vez mais sofisticados mapeiam não apenas o perfil de consumo
das pessoas, mas também detalhes inimagináveis de sua personalidade e de seu
comportamento.
Cadastros
são comercializados a preço de ouro. Lojas e bancos sabem quanto você ganha, se
você é bom pagador, se gosta de comer sagu, se viaja sozinho ou acompanhado.
Antigamente só o padre sabia isso, porque perguntava. E não contava para
ninguém. Agora todos sabem e todos revelam.
Temos
um pouco de culpa, certamente, pois vamos deixando impressões digitais por onde
passamos. Mas as armadilhas são muitas e irresistíveis. Você ganha um brinde
aqui, concorre a um prêmio ali, aproveita uma oferta de ocasião, recebe um
cartão de fidelidade, mas em troca tem que informar seu CPF, o nome do seu avô,
o gênero de literatura preferido, a geleia que consome no café da manhã.
Aí
não pode se surpreender quando estiver percorrendo uma zona comercial da cidade
e receber um alerta pelo celular: “Aquela centrífuga que você procura está em
liquidação na loja da frente”. Isso, porém, é o de menos. O risco maior é o da
discriminação: ao saber que você costuma pesquisar preços antes de comprar, o
lojista deduz que seu poder aquisitivo é baixo e dificulta o seu crédito ou
oferece produtos de segunda linha.
O
homem ama e respeita o homem enquanto não consegue julgá-lo, escreveu certa vez
Thomas Mann. Na era da informática, estamos sendo avaliados e julgados o tempo
inteiro. E, para sermos amados e respeitados, talvez tenhamos mesmo que viajar
para as ilhas Fiji.
Bom,
pelo menos o meu passaporte está em dia.
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