sábado, 5 de julho de 2014


06 de julho de 2014 | N° 17851
ANTONIO PRATA

Abundância

Senta-se muito mal por este mundo afora: em bancos de concreto, em tamboretes frios, de metal, em tábuas duras e sem encosto. Não entendo. Tenho cá para mim que uma poltrona ou uma cadeira confortáveis são como um prato bem preparado, um bom vinho, um dia de sol: um breve alívio em nossa incessante caminhada sob a inclemente gravidade. E, no entanto...

Conheço um homem muito rico que tem uma ilha. É dessas histórias: começou servindo cafezinho na empresa, bancou os próprios estudos, foi subindo, subindo, subindo, chegou à presidência, comprou uma ilha. Semana passada, me levou para conhecê-la.

À casa, no alto do morro, ele não dá muita bola: “Essa parte é da minha mulher”, diz, seguindo apressado em direção ao quiosque, uns 50 metros atrás. Ali, à beira-mar, construiu um pantagruélico complexo gastronômico: churrasqueira, forno a lenha, geladeira industrial, máquina de chope com quatro torneiras, câmara fria e um forno de pizza grande o suficiente para assar dois carneiros inteiros – o que ele faz, algumas vezes por ano. O quiosque é sua Disneylândia, sua Shangri-La, o prêmio autoconcedido por tantos anos de abnegação. É onde pretende passar boa parte de seu tempo livre. Pois bem, no meio do quiosque há uma mesa de jacarandá e dois bancos compridos – sem encosto.

Veja: o cara gasta milhões de reais na ilha, mais alguns milhares no quiosque. Manda trazer cordeiros da Patagônia, faz pessoalmente a marinada com 50 litros de vinho branco, 80 cabeças de alho, 200 ramos de alecrim. Importa chope de uma microcervejaria dinamarquesa, regula a temperatura em 4,6°C – e depois disso tudo, depois de 30 anos de esforço e 18 horas de lenta cocção, castiga o corpo cansado no tronco? Entrega o peso de seus ombros aos pobres músculos do abdome? Convenhamos: é impossível ser feliz sem apoiar as costas.

O leitor pode achar que é um problema do meu amigo. Culpa, talvez, por tudo o que conquistou? Nada. Ano retrasado, enquanto cobria a Olimpíada para este jornal, visitei a Torre de Londres. Contemplei cetros de ouro maciço, coroas cravejadas de diamantes, tronos de reis e rainhas. Vocês já viram um trono? Ora, os líderes supremos do Império Britânico podiam apoiar seu poder no alto dos céus, mas os majestáticos glúteos apoiavam é em duríssimos assentos de madeira, com encosto reto, a 90 graus – isso, séculos após o glorioso advento da almofada. (Não é à toa que tenham deixado Índia, África e Ásia naquele estado.)

Sei pouco sobre a vida: nunca li Proust, minha matemática parou na regra de três e dos afluentes do Amazonas só me ocorrem o Negro e o Solimões, mas encontrei a minha poltrona. Nela aboletado, com os pés esticados num pufe, uma almofada escorando a cabeça e um copo de água com gás na mesinha ao lado, posso ler A Comédia Humana num fôlego, ver Breaking Bad de ponta a ponta, assistir a minha filha crescer.


Dizem por aí que a nossa missão na terra é escrever um livro, plantar uma árvore e ter um filho. Bobagem. O que importa é encontrar uma poltrona. Tá bom: um amor e uma poltrona. O resto, se tiver que vir, virá.

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