07 de setembro
de 2013 | N° 17546
PAULO SANT’ANA
O jogo que não jogo
Consta que hoje é o dia
dos protestos. Os organizadores não sabem bem quais serão os alvos
dos protestos.
Mas eu sei, estarei na
crista dos protestos de rua hoje pela manhã e pela tarde.
Em primeiro lugar, vou
protestar contra os chatos de toda ordem. Mas protestarei também
contra os não chatos, contra os insossos que nem chatos conseguem
ser.
Protestarei hoje nas ruas
contra os que se intrometem na minha vida. Mas protestarei também
energicamente contra os que não se intrometem na minha vida, aqueles
que estão se lixando para mim.
Vou protestar
principalmente hoje contra uma coceira danada que me vem atacando nos
últimos dias: contra a coceira nos meus dois ouvidos. Coço-os
freneticamente há dias, a ponto de ferir minhas paredes auditivas e
as conchas de meus ouvidos.
Não vou protestar tanto
contra a coceira nas minhas costas. Ela me é tão proverbial, que
acredito já faz parte inafastável da minha anatomia.
Quero declarar, sobre
esses dois tipos de coceira que me acometem, que ao coçá-las sinto
um prazer mais que hedônico, é algo assim como um orgasmo. Tão
prazeroso, que não consigo cessar de coçar-me. Quanto mais me coço,
mais eu sinto prazer.
Vou protestar hoje nos
desfiles das ruas tanto contra os que me governam, mais ainda contra
aqueles que taxam meus impostos.
Vou protestar hoje
veementemente por ser o único porto-alegrense, entre a população
de 1,5 milhão de pessoas, que está proibido de jogar bingo.
Explico: seguidamente as
autoridades dão batidas nos bingos. E todos os apostadores se livram
soltos, mediante só a assinatura de um auto meramente formal, sem
nenhuma consequência penal.
E eu, que sou o que mais
gosta de bingo entre todos os milhares que o jogam, estou impedido de
frequentar esse jogo porque, se eu estiver num bingo que for alvo de
batida das autoridades, serei vítima de um escândalo: “Sabem quem
estava jogando bingo num estabelecimento ilegal que foi fechado? O
Paulo Sant’Ana, vejam só!”.
Então, não jogo bingo
com medo do escândalo. E os milhares que jogam seguem jogando sem
nenhum escândalo.
A esse respeito quero
dizer que o jogo é intrínseco à natureza humana. Vejam o caso do
pôquer na modalidade Texas Holden: o Ministério Público e a
Justiça resolveram que não é jogo de azar e em Porto Alegre há
uma dezena de clubes que estão entregues a essa prática. Quero
dizer que fazem muito bem, o público, o povo necessita divertir-se e
a ele cabe somente o direito de decidir onde vai jogar, ele é que
tem de escolher a modalidade em que o exploram menos.
Ora, há jogo em todas as
latitudes da Terra, por que terá de ser proibido aqui, onde só à
Caixa Econômica é permitido explorá-lo? Está errado, a todos tem
de ser permitido tanto explorar quanto praticar o jogo. Caberia às
autoridades apenas organizar os impostos sobre os jogos, nunca
proibi-los.
E eu, pobre vítima da
minha notoriedade, quando quero jogar, tenho de fazê-lo no Uruguai,
onde vicejam os cassinos, só que esses pagam impostos, o que quer
dizer que, quando jogo no Uruguai, pago imposto que deveria pagar ao
governo brasileiro, com o que a saúde aqui teria muito mais recursos
para sair dessa meleca que vem a ser em última análise o SUS, que
no entanto ainda assim presta grandes serviços aos brasileiros.
Vou protestar hoje nas
ruas: quero jogo, gosto de jogo, taxem o jogo, mas me deixem jogar,
ora bolas, tenho tão pouco tempo de vida, que pelo menos esse prazer
derradeiro teriam de conceder-me.
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