02
de setembro de 2013 | N° 17541
LIBERATO
VIEIRA DA CUNHA
Porto Alegre sem cafés
Vocês,
pessoas de agora, como diria Lupicínio, não sabem de um desgracioso fenômeno
que ocorreu em Porto Alegre ali pelos anos 1970. Não, não estou falando do calçadão
da Rua da Praia, piscina olímpica que sepulta até hoje as pedras azul e rosa
cantadas por Nilo Ruschel. Não me refiro também à moda boca de sino, paquidérmico
estilo que punia os dois sexos. Trato do inglório sumiço dos cafés com mesas.
Logo
na cidade de Quintana, a dos cafés fumados e conversados, proscreveram-se todos
os estabelecimentos do gênero, para a entrada em campo de uns antros dotados de
balcões de fórmica e de banquetas, por sinal as mais incômodas do universo. Chamavam-se
lanchonetes e substituíam por acréscimo, nas fachadas, aquela delicada
caligrafia do neon por modernosos letreiros de acrílico.
Hemingway
lamentou em páginas antológicas o ingresso do bar américain em Paris. Mas lá,
em todos, sobravam bem ao lado algumas mesas, ou seja, as pessoas civilizadas
podiam servir-se quanto quisessem dessas úteis peças do mobiliário. Aqui, e
isso décadas depois, elas foram total, completamente banidas.
A época
a que me reporto, aliás, era costumeira em exilar objetos abstratos e concretos.
Proscreveu a democracia, os direitos humanos, até mesmo a liberdade de compor
uma simples crônica como esta. A Igreja padeceu da mesma inclinação, decretando
a morte do latim na missa, exemplo seguido nas escolas por ordem dos
usurpadores do poder que acampavam na Ilha da Fantasia.
Só muito
lentamente os cafés de Porto Alegre voltaram a ter mesas. Se não erro, a
pioneira foi Dona Eva Sopher, que mandou abrir aquele magnífico espaço do
Theatro São Pedro, equipado até com vista cativa da Praça da Matriz. Seguiram-se
a Casa de Cultura e o belo ambiente criado pela Cacaia na Rua Padre Chagas, um
que avança sem cerimônia pelo passeio, onde costumam se abrigar deusas de finíssimo
trato.
Mas
você que, tomando seu cappuccino, está flertando neste instante com a linda
dama da mesa à sua esquerda, não imagina a tragédia que era esse doce esporte
na era das lanchonetes. O máximo que você pegava era um torcicolo. Pois, junto
com os cafés com mesas, tinham expulsado da mui leal e valorosa algo que ora
floresce em todo o esplendor com a aproximação da primavera.
Qualquer
coisa chamada romantismo.
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