terça-feira, 4 de junho de 2013


04 de junho de 2013 | N° 11702
DAVID COIMBRA

Contra Ibsen

Então bastou o Barcelona perder uma e o doutor Ibsen Pinheiro e todos os seus sequazes defensivistas saíram do tugúrio onde se escondiam e voltaram para a superfície de dedo em riste, bradando: “Eu avisei! Eu avisei!”

Doutor Ibsen. Francamente. Dias atrás, ele escreveu um artigo para Zero Hora. Texto iridescente, como só acontece com artigos de Ibsen, porém falacioso. Discorreu sobre o futebol enganoso (na opinião dele) do Barcelona. Chegou a afirmar que o toque impecável, plástico e inteligente (na minha opinião) do Barcelona disfarçava as deficiências ofensivas do time.

Deficiências que o Santos provou com regalo, na final do Mundial de Clubes, pouco tempo atrás. Deficiências que deram ao Barcelona de Messi, Xavi, Iniesta e Guardiola dois Mundiais, duas Ligas dos Campeões da Europa, três campeonatos espanhóis, uma Copa da Europa e três Supercopas da Espanha, isso em três temporadas.

Mas, para Ibsen, supertime de verdade foi o que ele ajudou a montar, o Inter dos anos 70, que só não teria sido campeão do mundo porque na época não existia campeonato do mundo. Neste ponto, claro, Ibsen deixou-se ludibriar por seu coloradismo, abraçando a provocação de torcedores do Inter que dizem que Mundial, de fato, só vale o promovido pela Fifa, como se a Fifa fosse dona exclusiva e ciumenta do futebol.

Nos anos 70, houve campeões mundiais, sim, um deles o Bayern de Beckenbauer e Sepp Mayer. Que na final bateu o Cruzeiro de Joãozinho, Nelinho e Palhinha. Que foi campeão da Libertadores, título nunca conquistado pelo Inter de Falcão e Figueroa. Mas não quero descer ao submundo do bate-boca Gre-Nal, não me atraiam para esse pântano. Quero aproveitar para falar sobre o importante, sobre o cerne do artigo de Ibsen: os supertimes de futebol. Ocorre que são vários os supertimes, mas raros os übertimes, essa última categoria criada agora por mim.

Aquele Inter dos anos 70 foi um supertime, realmente. Mas não foi melhor do que o Cruzeiro de Palhinha e Joãozinho ou do que o Cruzeiro de Tostão e Dirceu Lopes. Talvez tenha sido melhor do que a Academia do Palmeiras de Ademir da Guia, certamente foi melhor do que a Supermáquina do Flu de Rivellino, apesar de a Supermáquina ter Rivellino, e foi melhor também do que o Atlético Mineiro de Cerezo e do que o Botafogo de Jairzinho, mas, não tenho dúvida alguma, foi inferior ao Flamengo de Zico.

Nenhum time brasileiro dos anos 70 foi melhor do que o Flamengo de Zico. Agora, o Flamengo de Zico foi inferior ao Bayern de Beckenbauer e ao Ajax de Cruyff. Esses dois estão na categoria de übertimes, porque foram times que transformaram o futebol. E aí deparamos com o critério definitivo: os übertimes são os que mudaram o futebol.

Outros übertimes? O Honved, da Hungria, que tinha Bozsik, Czibor, Kocsis e Puskas, o Major Galopante, isso entre os anos 40 e 50. Seu sucedâneo foi o Real Madrid de, não por acaso, Puskas, mais Gento, que cobria 100 metros de grama em 10 segundos com a bola no pé, e Alfredo Di Stéfano, a Flecha Loira, que seus contemporâneos juram ter sido melhor do que Maradona. Depois desse, resplandece o Santos de Pelé, bicampeão do mundo em 62 e 63, passando por Bayern e Ajax, atravessando um deserto entre os anos de 80 e 90 e desaguando gloriosamente no Barcelona dos anos 10 do novo século.

Apenas seis übertimes. Times que transformaram o futebol.

E nós tivemos o privilégio de assistir ao Barcelona que mudou tudo, uma Revolução Francesa de chuteiras, um time que fez da posse de bola uma arma defensiva, que fez os adversários se transformarem em assistentes embasbacados do seu jogo macio, que amassou todos os inimigos com a facilidade de adultos enfrentando crianças, o Barcelona em que jogadores pequeninos bocejavam enquanto nocauteavam gigantes.

Nunca houve um time como o Barcelona. Nunca nenhum time negaceou, envolveu e subjugou o inimigo tão docemente como o Barcelona, como uma mulher de olhos tristes.


Porém, ah, porém, o Barcelona é formado por homens. E, por certo momento, sem Guardiola e sem Messi, passou por breve crise, tornando-se alvo dos defensivistas. Ora, qualquer grupo humano, por qualificado que seja, passa por crises. Até os Beatles passaram por crises. Pois o Barcelona são os Beatles do futebol. Não me venha Ibsen Pinheiro com seus Phill Collins.

Nenhum comentário: