01
de abril de 2015 | N° 18119
MARTHA
MEDEIROS
Não pegue essa carona
A
atitude do copiloto que voava de Barcelona para Düsseldorf foi estarrecedora,
pra dizer o mínimo. São muitas as perguntas: uma pessoa profundamente deprimida
pode perder o discernimento entre certo e errado? Andreas Lubitz teria se
inspirado no primeiro episódio do filme Relatos Selvagens? Ter seu nome
reverberado pelo mundo é motivação suficiente para uma insanidade cuja
repercussão ele nem testemunharia, já que o insano também morreu?
Conduzir
um avião lotado em direção a uma montanha a fim de espatifá-lo é um caso
isolado. Lamentamos, perplexos, mas não temos medo de que venha a acontecer de
novo, ao menos não tão cedo. No dia seguinte à tragédia, embarquei num avião e
nem por um segundo pensei que na cabine de pilotos pudesse estar alguém
incapacitado para realizar sua tarefa e com ideias estapafúrdias na cabeça. Essas
coisas simplesmente não se repetem com trivialidade.
Não
se repetem num avião, mas e nas estradas, e nas ruas? Inúmeros ônibus de
turismo despencam ribanceira abaixo porque o motorista corria demais ou porque
dormiu ao volante, e por causa de sua pressa e cansaço levam várias vidas
embora com ele. Não é considerado suicídio porque não foi de propósito, mas o
propósito pode se esconder em camadas menos aparentes. Ausência de
responsabilidade pode ser um jeito escamoteado de cair fora.
O
cara que atravessa três noites sem dormir e pega um carro. O cara que pega um
carro e dirige a 180 km/h .
O cara que dirige a 180 km/h
pelo acostamento. O cara que dirige pelo acostamento de um penhasco. São várias
tentativas de se matar sem dar na vista, sem assumir nem para si mesmo o que
está fazendo.
O
problema é que, não sendo uma tentativa de suicídio assumida, dá-se carona.
Não
foram poucas as vezes em que eu disse para um motorista destemido: quer se
matar, deixa eu descer antes, não me leva junto. Soava dramático, mas
funcionava. Graças a um resquício de noção, o sujeito tirava o pé do acelerador.
Há sempre
alguém por perto que tem menos amor à vida. Ou menos condição psicológica. Ou
menos sensatez, menos senso de dever, menos tolerância a seguir regras – vá saber.
E, uma vez que não se preocupa com o perigo que corre, envolve outras pessoas
que poderão ser passageiros de uma viagem com destino indesejado.
Então,
abandone os táxis que voam pelas avenidas. Assuma o volante de carros de
namorados que estão sem condição de dirigir. Denuncie motoristas de ônibus que
estão pisando fundo. Não ande com gente armada. Afaste-se de quem é muito
estourado. As inocentes vítimas do voo da Germanwings não tiveram nenhuma
dessas prerrogativas porque existia uma cabine trancafiada e um propósito
consciente. Mas sejamos sensíveis aos propósitos inconscientes.
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