26
de abril de 2015 | N° 18144
MOISÉS
MENDES
O jornalismo e a
emoção
A professora Beatriz Dornelles, da PUC, tem uma
missão que passo a acompanhar como parte interessada. A alegretense e uma
equipe de bolsistas do Grupo de Pesquisa História da Imprensa Gaúcha tentam
encontrar um exemplar da primeira edição da Gazeta de Alegrete.
A
turma está digitalizando todo o acervo do jornal mais antigo ainda em
circulação no Estado – e o terceiro mais antigo do Brasil –, em projeto do
Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social e do Delfos, o Espaço de
Documentação e Memória Cultural.
A
Gazeta circula desde 1º de outubro de 1882.
A PUC reuniu quase todas as edições em papel. Mas a
primeira talvez não exista. Pode ter sido consumida por um incêndio ou, quem
sabe, estar extraviada num acervo ainda em desordem.
A
edição inaugural é uma aula para o jornalismo que se faz hoje, em qualquer
plataforma. O primeiro número já declara guerra ao escravismo. Qual terá sido o
tom desse editorial (os textos da época eram quase todos editorializados,
opinativos), a quem se dirigia, que argumentos usava?
A
Gazeta nasceu por iniciativa de um dos fronteiriços que poderiam continuar no
conforto dos aliados resignados dos escravocratas. Luís de Freitas Vale criou o
jornal para lutar pela abolição. Era fazendeiro, líder do Partido Conservador e
“sócio número 1” do
Clube dos Emancipacionistas.
A
Gazeta surge dois anos antes de A Federação, o jornal também abolicionista de
Júlio de Castilhos, e seis anos antes da Lei Áurea. O atrevimento pode estar na
origem de quase tudo que Alegrete produz em nome do que genericamente se chama
de “as letras”.
É o
primeiro jornal a levar ao campo os milagres de Gutenberg. Trata da política e
da economia e se transforma no espaço que acolhe os poetas. Está vivo até hoje
como memória do engajamento a uma grande causa.
Trabalhei
na Gazeta, fui porteiro, clicherista (fazia os clichês em zinco que reproduziam
fotos na impressão), fui repórter e editor-chefe. Fui artesão dos porões do
jornalismo. Convivi com os fantasmas dos Prunes, de Wamosy e dos tipógrafos que
viravam poetas de tanto catar letra por letra para os poemas dos outros.
A
Gazeta do Barão do Ibirocai ajudou a desconstruir a imagem que manteve o Rio
Grande por muito tempo no autoengano de que aqui a escravidão teria sido
cordial.
Recebi
a informação sobre a digitalização do acervo na semana em que a Globo exibiu
depoimentos de jornalistas sobre os seus 50 anos. Na terça-feira, Ernesto
Paglia, um dos grandes repórteres da TV, disse ter coberto o comício das
Diretas, em 1984 em São Paulo, contendo-se para que a emoção e a torcida pela
democracia não comprometessem a objetividade do jornalismo.
Sabemos
o que Paglia quis dizer. Mas não há conflito algum entre jornalismo, emoção e
engajamento a causas essenciais, como a restauração da democracia.
Há
momentos em que tudo o que o jornalista não pode fazer é encolher-se no
distanciamento de aparentes neutralidades, como nas situações em que golpistas
usam as ruas e a internet para pedir a volta da ditadura.
Essa
é a hora em que um jornal tem a missão de ser incisivo na defesa da liberdade.
É disso que o jornalismo anda precisando, de engajamentos que inundem a
objetividade de sentimentos e inspirem-se na Gazeta criada para ser
abolicionista.
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