sábado, 25 de abril de 2015


26 de abril de 2015 | N° 18144
MOISÉS MENDES

O jornalismo e a emoção

A professora Beatriz Dornelles, da PUC, tem uma missão que passo a acompanhar como parte interessada. A alegretense e uma equipe de bolsistas do Grupo de Pesquisa História da Imprensa Gaúcha tentam encontrar um exemplar da primeira edição da Gazeta de Alegrete.

A turma está digitalizando todo o acervo do jornal mais antigo ainda em circulação no Estado – e o terceiro mais antigo do Brasil –, em projeto do Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social e do Delfos, o Espaço de Documentação e Memória Cultural.

A Gazeta circula desde 1º de outubro de 1882. A PUC reuniu quase todas as edições em papel. Mas a primeira talvez não exista. Pode ter sido consumida por um incêndio ou, quem sabe, estar extraviada num acervo ainda em desordem.

A edição inaugural é uma aula para o jornalismo que se faz hoje, em qualquer plataforma. O primeiro número já declara guerra ao escravismo. Qual terá sido o tom desse editorial (os textos da época eram quase todos editorializados, opinativos), a quem se dirigia, que argumentos usava?

A Gazeta nasceu por iniciativa de um dos fronteiriços que poderiam continuar no conforto dos aliados resignados dos escravocratas. Luís de Freitas Vale criou o jornal para lutar pela abolição. Era fazendeiro, líder do Partido Conservador e “sócio número 1” do Clube dos Emancipacionistas.

A Gazeta surge dois anos antes de A Federação, o jornal também abolicionista de Júlio de Castilhos, e seis anos antes da Lei Áurea. O atrevimento pode estar na origem de quase tudo que Alegrete produz em nome do que genericamente se chama de “as letras”.

É o primeiro jornal a levar ao campo os milagres de Gutenberg. Trata da política e da economia e se transforma no espaço que acolhe os poetas. Está vivo até hoje como memória do engajamento a uma grande causa.

Trabalhei na Gazeta, fui porteiro, clicherista (fazia os clichês em zinco que reproduziam fotos na impressão), fui repórter e editor-chefe. Fui artesão dos porões do jornalismo. Convivi com os fantasmas dos Prunes, de Wamosy e dos tipógrafos que viravam poetas de tanto catar letra por letra para os poemas dos outros.

A Gazeta do Barão do Ibirocai ajudou a desconstruir a imagem que manteve o Rio Grande por muito tempo no autoengano de que aqui a escravidão teria sido cordial.

Recebi a informação sobre a digitalização do acervo na semana em que a Globo exibiu depoimentos de jornalistas sobre os seus 50 anos. Na terça-feira, Ernesto Paglia, um dos grandes repórteres da TV, disse ter coberto o comício das Diretas, em 1984 em São Paulo, contendo-se para que a emoção e a torcida pela democracia não comprometessem a objetividade do jornalismo.

Sabemos o que Paglia quis dizer. Mas não há conflito algum entre jornalismo, emoção e engajamento a causas essenciais, como a restauração da democracia.

Há momentos em que tudo o que o jornalista não pode fazer é encolher-se no distanciamento de aparentes neutralidades, como nas situações em que golpistas usam as ruas e a internet para pedir a volta da ditadura.


Essa é a hora em que um jornal tem a missão de ser incisivo na defesa da liberdade. É disso que o jornalismo anda precisando, de engajamentos que inundem a objetividade de sentimentos e inspirem-se na Gazeta criada para ser abolicionista.

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