29
de abril de 2015 | N° 18147
DAVID
COIMBRA
Negros americanos e negros
brasileiros
Os
vendedores de rua de Nova York oferecem, por um punhado de dólares, uma placa
com fotos de quatro dos maiores homens da Humanidade. Quatro negros, postos
lado a lado: Martin Luther King, Malcolm X, Mandela e Obama. Por coincidência,
três desses homens moraram bem aqui, em Boston. Não por coincidência, os três são
americanos.
O
fato de três desses quatro gigantes serem negros e americanos diz muito sobre,
exatamente, os negros americanos. E explica, em parte, o que está acontecendo
em Baltimore e em outras cidades do país, em que negros protestam contra a violência
policial.
Curiosamente,
tudo isso tem a ver também com o Brasil. Porque Estados Unidos e Brasil
partilham o mesmo e enorme pecado: a escravidão. Essa é a causa de inúmeros
problemas dos dois países, embora seus efeitos sejam diferentes.
Em
primeiro lugar, é preciso compreender que os Estados Unidos são uma terra de
estrangeiros. No bairro em que moro, entre 58 mil pessoas, são faladas,
oficialmente, 50 línguas. Gente do mundo inteiro convive aqui. Africanos
dirigem táxis, vietnamitas são manicures, brasileiros trabalham como
faxineiros, colombianos, na construção civil, chineses vendem bugigangas nas
ruas, italianos têm restaurantes. Judeus de solidéu, árabes de manto e indianos
de turbante brincam com os filhos na mesma praça. Na Califórnia, a segunda língua
mais falada é o coreano.
Em
Boston, 3 mil espanhóis trabalham na sede americana do Santander. No fim de
semana passado, houve um festival de cultura nipônica no Common Park, de
Boston, com bandas japonesas tocando rock’n’roll.
Não é
à toa que a bandeira de listras e estrelas tremula em toda parte. É preciso
lembrar às pessoas que elas estão nos Estados Unidos.
O
que une todos esses estrangeiros e seus descendentes é que eles estão aqui por
vontade própria. Uns vieram “para fazer a América”, outros fugiam da opressão,
alguns iam passar um tempo e ficaram, mas todos estão nos Estados Unidos porque
querem.
Menos
os negros.
Os
negros foram arrancados à força da África.
Faz
toda a diferença.
Quando
a escravidão foi abolida nos Estados Unidos, no fim da Guerra Civil, em 1865,
os negros eram cerca de 4,5 milhões, entre quase 40 milhões de habitantes. Quando
a escravidão foi abolida no Brasil, um quarto de século depois, os negros eram
também 4,5 milhões, só que a população total era pouco mais do que duas vezes
isso. Essas proporções mais ou menos se mantiveram. No Brasil, os descendentes
de escravos talvez sejam 50% da população; nos Estados Unidos, que têm quase o
dobro de habitantes, são 12%.
Esses
12% de negros americanos são, de certa forma, cidadãos apartados de todos os
outros cidadãos americanos, entre esses até os que não nasceram nos Estados
Unidos. Um negro que seja descendente de pessoas que aqui chegaram em 1620,
quando os primeiros africanos pisaram no solo da América do Norte, esse homem
com pais, avós, bisavós e tetravós americanos, esse americano antigo de quase
quatro séculos, esse americano histórico talvez se sinta menos à vontade nos
Estados Unidos do que um russo que chegou no inverno passado e mal sabe falar
inglês.
E
esse sentimento é diverso do sentimento que embala os negros brasileiros. Mas,
como o assunto é complexo e rico, vou tratar mais disso amanhã. Não é continuação,
não fique brabo. Vou contar por que nosso grande defeito é, de certa maneira,
uma vantagem.
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