quarta-feira, 29 de abril de 2015


29 de abril de 2015 | N° 18147
MOISÉS MENDES

Gente atrapalha

Lidar com gente. Esse passa a ser o charme das empresas a partir dos anos 80. Qualquer fábrica poderia produzir bons carros, parafusos ou televisores. Mas só iriam prosperar as que soubessem lidar com seus clientes externos e internos. Sim, o funcionário também passou a ser tratado como cliente.

Best-sellers de gestão difundiam que uma empresa sem uma missão clara não existia. As corporações ofereciam exemplos de missão. Com as pessoas sempre em primeiro lugar.

Milhares de livros tinham receitas para que qualquer empresa aprendesse a lidar com humores, talentos, fora de série e medianos, com virtudes e imperfeições. Organizações de todo porte revisaram processos para melhorar performances ou, nas reengenharias, para se livrar dos empregados vistos como superados, pouco competitivos ou excedentes.

Virando a Própria Mesa, o best-seller da gestão horizontal, de Ricardo Semler, enfeitava a mesa dos chefes arejados. Um pouco depois, outro cara brilhava: John Frances Welch Jr, ou simplesmente o Jack, presidente da GE. Sua revolução na GE só havia acontecido por causa das pessoas.

Parecia óbvio demais. No início dos anos 2000, o americano publicou suas memórias em Jack Definitivo. Dizia: uma empresa deve, antes de qualquer coisa, identificar qual é a sua índole e a sua missão no mundo, muito mais do que as competências, para assim moldar sua cultura.

O homem da GE queria ser chamado pelos funcionários de Jack. Nada de John ou de Welch, simplesmente Jack. Não almejava criar falsas intimidades, mas transmitir abertura e franqueza. E isso só poderia existir em empresas que tivessem funcionários engajados na construção de índoles e culturas.

Tudo o que uma organização deveria almejar é o que, parece, muitas empresas brasileiras deixariam de considerar importante. O projeto de terceirização de trabalhadores, que vinha tramitando sem muitos obstáculos no Congresso, é o sinal de que alguns de nossos empresários podem abrir mão de gerir pessoas. Cansaram- se de cuidar de salários, talentos, TPMs, férias, doenças, carreiras e dos sonhos de quem é muito diferente ou muito inconveniente.


A terceirização ampla e irrestrita abre caminho para a transferência de custos e incômodos, quando gente passa a ser estorvo. Mas o que algumas empresas podem querer mesmo é se livrar de suas missões. É ou não é, Jack?

Nenhum comentário: