18
de abril de 2015 | N° 18136
NÍLSON
SOUZA
MARGENS PLÁCIDAS
O
rio atrai. Deve haver uma explicação atávica para isso. Viemos da água, dizem
os cientistas. Talvez do barro, se quisermos ficar com a versão teológica. Mas,
em ambos os casos, a água estava presente na nossa origem. Somos água, quase 80%
da nossa composição corporal quando bebês e pouco mais de 50% no outono de
nossas existências. Crescemos e desidratamos. Talvez isso explique nossa atração
pelos mares, pelos lagos, pelos rios e até mesmo pelo esguicho da mangueira do
jardim.
Quando
digo que o rio atrai, estou me referindo exatamente ao Guaíba, o lago/estuário
que jamais deixará de ser rio para os porto-alegrenses. Assim como atraiu os
casais açorianos que deram início à cidade, porque certamente precisavam da água
para beber e para tocar a parte líquida da vida, continua atraindo caminhantes
e ciclistas para as suas margens, além de velejadores, jetesquistas e agora
esses equilibristas de pranchas, que deslizam serenamente pelas partes rasas,
impulsionados por um remo.
Num
dia desta semana, quando dava minha caminhada matinal pela orla de Ipanema,
todos esses personagens estavam por lá, mas encontrei também outras tribos
pouco habituais naquela paisagem. Vi, por exemplo, num recanto sombreado, cinco
freiras num curioso retiro improvisado às margens plácidas do rio. Eram todas
jovens, vestiam hábitos negros e conversavam em voz baixa, como se estivessem
rezando para alguma divindade das águas.
Mais
adiante, deparei com um grupo de pessoas idosas, conduzido por três jovens
vestidos de branco. Era evidente que se tratava de pacientes de uma dessas
instituições que abrigam homens e mulheres carentes de memória e de atendimento
especial. Caminhavam lentamente, olhando para o chão. Quando se aproximaram da água,
porém, seus olhos voltaram a brilhar, alguns começaram a falar sozinhos, outros
sorriram e um relâmpago de vida surgiu naqueles rostos sofridos. Todas as águas
são milagrosas.
Também
observei tipos solitários – o homem magro que fumava compulsivamente, outro que
lia um livro grosso de capa preta, vários que se exercitavam, um pescador com água
pela cintura pronto para lançar sua tarrafa, a adolescente que dedilhava
furiosamente o seu celular, a mulher que lançava um galho para o cãozinho
buscar – visitantes e habitantes daquele paraíso líquido, todos enfeitiçados
pelo brilho mágico das águas tranquilas.
O
rio atrai, encanta e desperta a imaginação.
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