sábado, 4 de abril de 2015


04 de abril de 2015 | N° 18122
PALAVRA DE MÉDICO | J.J. CAMARGO

OS QUE AJUDAM E OS OUTROS

A família Oviedo mora num bairro pobre de Córdoba e luta pela sobrevivência no limite da dignidade. Quando nasceu o segundo garoto, já estava muito ocupada com a doença do primeiro, e soube, então, que os dois eram portadores de fibrose cística, uma doença genética que se caracteriza principalmente por repetidas infecções das vias respiratórias e que resultam na gradual destruição dos tecidos pulmonares, podendo culminar com a morte precoce do paciente, o que acabou ocorrendo com os dois meninos antes dos 10 anos.

Ao descobrir-se grávida outra vez e, mais do que isso, ao saber que teria gêmeas, a mãe agradeceu a Deus a compensação pelas perdas tão recentes e sofridas. Mas a provação estava só começando.

Um bairro pobre é como a casa grande de uma família humilde, todos se conhecem e se amparam. Um vizinho me confidenciou que, dois anos depois do nascimento das gêmeas, umas loirinhas lindas, soube-se que também as meninas tinham a mesma doença, e a dor se espalhou pela vizinhança numa tal consternação a ponto de poucos conseguirem visitar os Oviedo. Uma sina genética que multiplicara por quatro a probabilidade estatística de doença naquela família comoveu a cidade e, depois, o país, num movimento frenético da mídia pela arrecadação de recursos e autorizações judiciais para virem ao Brasil, em busca da salvação do que restava de filhos.

Foi assim que, em janeiro de 2012, chegaram à Santa Casa em busca do transplante redentor que só pôde ser oferecido à Maribel. Marisol tinha uma carga de anticorpos que resultou na ausência de doadores possíveis entre seis familiares testados. Desolada, Marisol voltou para a Argentina, mudou-se para Buenos Aires para ficar mais próxima do maior centro transplantador e morreu sem conseguir, exatamente um ano depois do transplante exitoso da irmã.

Nesta semana, Maribel e os pais, encantados com sua condição física, voltaram para a revisão de terceiro ano do transplante. Na bagagem, além do encanto de viver, ela trazia uma história de solidariedade. Ficara tão impressionada com o desespero de Valentina, a adolescente chilena que implorou à presidente Michele Bachelet por uma morte assistida porque não suportava mais sofrer com fibrose cística, que decidiu ela mesma ir ao Chile conversar com a paciente.

Encontrou-a deprimida e querendo morrer, porque não queria passar pela agonia do irmão que perdera no ano anterior. Maribel rebateu: “Olhe as fotos de como eu era e veja como estou agora. E não me fale da perda de um irmão, porque eu perdi os meus três”.

Depois de um fim de semana de conversas, Valentina anunciou que não queria mais morrer. E teriam começado a fazer os testes de compatibilidade na busca de doadores familiares.

Os olhinhos de Maribel brilhavam quando me contou essa aventura. E, então, lhe perguntei:

– E como te sentiste sendo protagonista desta mudança de ânimo?

– Muito, mas muito feliz!

– E o que te levou a tomar esta atitude corajosa e despojada, sem saber se serias aceita?


– É que eu não consigo ser feliz sozinha!

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