quarta-feira, 22 de abril de 2015


22 de abril de 2015 | N° 18140
MARTHA MEDEIROS

FORÇA MAIOR

Vou contar o início do filme Força Maior. Não é spoiler, pois esta cena importante, que desencadeia todo o resto, já foi comentada em outras resenhas, mas é melhor avisar.

Uma família convencional (mãe, pai e um casal de filhos pequenos) vai passar seis dias esquiando nas montanhas. Na manhã do segundo dia, estão num avarandado ao ar livre, almoçando, quando percebem uma pequena avalanche na montanha em frente. Em princípio, tudo bem, são comuns as avalanches controladas, mas esta parece ligeiramente descontrolada, até que, por precaução, as pessoas em volta começam a se levantar das mesas, ouvem-se gritos e então o caos se instala: tudo indica que a neve soterrará a todos.

Diante do perigo súbito, o pai pega seu celular e corre para longe. Deixa a esposa e as duas crianças para trás, que se agacham e esperam pelo pior – mas nada acontece. Ou acontece?

O pior, no caso, seria um acidente com mortos e feridos, mas não: apenas uma névoa seca cobriu o ambiente e logo todos voltaram a seus lugares. O pai retorna a seu assento e a família prossegue com o lanche, mas dali em diante nada mais será igual, pois aconteceu, sim, o pior. Aquele pai fez o que não se espera de seu papel tradicional: fugiu sem pensar em mais ninguém.

A maneira como o filme foi dirigido faz a gente sentir uma angústia similar à de cada membro da família. Ninguém mais sabe como deve se comportar. Tudo era tão certinho entre aqueles quatro, as “avalanches” emocionais eram sempre tão controladas, e, de repente, a descoberta: pessoas seguem impulsos, têm ímpetos, se desgovernam.

Poderíamos reduzir o filme a uma questão trivial: os homens não seriam tão protetores quanto as mães, mas isso é uma falácia. O que o filme mostra é que criamos um padrão de comportamento que sustenta nossas emoções, e nos desestabilizamos quando esse padrão é quebrado.

Em uma cena significativa, a mãe conversa com uma turista que está no mesmo hotel e que, apesar de casada e com filhos, está viajando sozinha e tem algumas aventuras sexuais com outros hóspedes. São duas mulheres com visões antagônicas sobre o casamento – uma é conservadora, a outra, extremamente liberal –, mas o que poderia ser uma simples troca de experiências descamba para uma cobrança raivosa. A mãe não consegue disfarçar sua perplexidade (e uma pontinha de inveja, suponho) diante daquela estranha que se permite viver de forma tão livre, arriscando perder seus afetos. De que, aliás, a outra discorda, pois acredita que é justamente a honestidade em relação a seu desejo que fortalece seus vínculos.


Não temos domínio sobre ninguém, e o domínio que temos sobre nós mesmos é relativo. O que o filme deixa claro como a neve é que, se queremos tanto nos sentir protegidos, um bom começo seria aceitar que estamos deslizando em meio ao risco o tempo todo. Incluindo o risco de agirmos como nunca imaginamos.

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