17
de abril de 2015 | N° 18135
DAVID
COIMBRA
Um quilo de
nostalgia
Não
é que não exista costelinha defumada nos Estados Unidos. Existe. Mas não como a
nossa. Por isso, quando quero preparar um feijão, caminho léguas em busca da
costelinha defumada perfeita, e só a encontro num mercado brasileiro situado
numa cidade contígua.
Trata-se
de outra cidade, sim, mas essas cidades periféricas das grandes cidades
americanas são como os bairros das cidades brasileiras. Ou como distritos. São
unidas à cidade-mãe num só corpo. Só que são, realmente, diferentes, porque têm
cargas tributárias diferentes e, assim, serviços públicos de qualidades
diferentes.
Nos
Estados Unidos, a Educação e a Segurança são municipais. Mas, ao contrário do
Brasil, a maior parte dos recursos arrecadados pelos municípios fica nos
municípios. Desta maneira, a fiscalização se torna mais fácil e os serviços
prestados pelo Estado se tornam mais baratos. Além do mais, você pode escolher
o tamanho do seu imposto.
Por
exemplo: se você quiser colocar seu filho em escolas melhores, irá para uma
localidade em que as taxas sejam maiores. Essas taxas estarão embutidas no seu
aluguel ou no preço da casa que você comprar. Mas, se você é solteiro e está
pouco ligando para a excelência das escolas públicas, irá para um lugar em que
o aluguel e o valor dos imóveis sejam mais baixos.
A
cidade em que está o mercado brasileiro é dessas com imposto menor. Chama-se
Allston. Ali moram russos, chineses, brasileiros e colombianos, quase todos
solteiros. Você está numa área de Boston, atravessa uma avenida e, do outro
lado, é Allston. De uma calçada para outra, é como se mudasse de país. Você
ouve o som do português e do espanhol, o trânsito é mais confuso, as ruas são
mais sujas, há mais casas noturnas e bares com música ao vivo.
Ontem
mesmo, caminhei meia hora para ir até lá. Gosto de andar a pé pela cidade, de
ver a vida deslizando nas calçadas. Fui ao mercado, abasteci-me de produtos
essenciais para um gaúcho desgarrado, como a tal costelinha, erva-mate e algo
que acho que só tem no Brasil e que prova a nossa superioridade em questões de
higiene culinária: Bombril.
Pois
bem. Vinha saindo com duas sacolinhas nas mãos, quando vi a cena: um homem
gemia, sentado nos degraus da porta de um edifício, agarrado fortemente a algo,
um saco plástico de algum produto, tipo um quilo de arroz. Ele apertava o
pacote contra o peito, balançava-o como se fosse um nenê e suspirava como se
estivesse prestes a chorar. Parei. Fiquei olhando. Será que devia falar com
ele? Ele não parecia bem. Tinha jeito de brasileiro. Um conterrâneo precisando
de ajuda... Talvez fosse minha obrigação socorrê-lo. Além disso, confesso,
estava curioso para saber o que tinha nos braços. Então, dei um passo em sua
direção. Dois. Ele continuava com a cabeça abaixada. Cheguei mais perto. Aí ele
me viu.
–
Tudo bem? – perguntei, em português.
Ele
não falou, apenas esticou a mão e fez um gesto de negativa. Não queria minha
presença. Dei de ombros. Fui embora. Mas, antes de me afastar, consegui ver o
que embalava. Era um saco de canjiquinha. Um amarelo, singelo, tradicional,
brasileiríssimo saco de canjiquinha. Entendi tudo. Era um pacote de lembranças.
Um quilo de nostalgia. Aquele homem gania de saudade do Brasil.
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