16
de abril de 2015 | N° 18134
DAVID
COIMBRA
O homem que ia morrer
Tinha
um cara que ia morrer. Uma doença incurável e fatal o acometera, e restavam-lhe
poucos meses para respirar debaixo do sol. Como não queria sofrer numa cama de
hospital, ousou: contratou um assassino de aluguel e, antes de passar-lhe o maço
de dólares que custava sua própria morte, recomendou:
– Não
quero saber quando nem onde vai ser, quero apenas mais alguns dias, e quero que
seja rápido.
O
assassino olhou para ele com os olhos de gelo dos assassinos, e advertiu:
– Depois
que eu pegar esse dinheiro, não há retorno. Eu sempre cumpro a minha tarefa.
Em
silêncio, o homem que ia morrer passou-lhe o dinheiro, e em silêncio foi-se
embora.
Nas 48
horas seguintes, o Destino, esse gozador, entrou em ação. O homem não apenas
descobriu que sua doença incurável tinha cura, como se apaixonou por uma linda
mulher de pernas longas, pele macia e riso faiscante.
E
agora?
Isso
foi um filme que vi, há muito tempo. Queria ver de novo, mas não me recordo do
título, nem dos atores, nada. Só me recordo da trama. Ou será que imaginei essa
história? Não, não, tenho quase certeza de que foi um filme.
De
qualquer forma, o que queria dizer é que admiro a ética desses matadores de
aluguel da ficção. O profissional, depois de contratado para a empreitada,
completa-a a qualquer custo, mesmo que o contratante não queira mais. No filme,
o protagonista terceiriza a própria morte, imagine.
Com
profissionais assim, a terceirização funciona. Você contrata alguém, ou uma
empresa, para um trabalho temporário. Será um arquiteto, um advogado, um
eletricista, um jornalista, um profissional liberal. Ele vai lá, faz o que tem
de fazer e volta para sua empresa de origem. Perfeito.
Tirando
esses casos, a terceirização é algo triste. Veja a terceirização das chamadas “mulheres
da limpeza”. Elas estão lá, com suas vassouras e seus uniformes, trabalhando
numa empresa com a qual não têm relação. Daqui a pouco, podem ir para outro
lugar e nunca mais voltar. Elas sabem disso, e os outros funcionários sabem
também. Então, aquelas mulheres são como fantasmas. Ninguém nem olha para elas.
Elas vêm, limpam as lixeiras e desaparecem. Escondem-se em algum departamento
de funcionários terceirizados, provavelmente no porão, até que sejam chamadas
outra vez, para outra vez fazer o serviço em silêncio.
Elas
não são como o matador de aluguel, elas não têm um nome a zelar, porque ninguém
nem lhes conhece o nome. Se elas trabalharem bem, não vão ganhar aumento,
porque o chefe que as observa não tem nenhum poder sobre elas. Seja o que for
que ocorra na empresa, não é com elas. Elas não são dali, elas só estão ali.
A
terceirização é ruim em si mesma. Talvez seja necessária em muitas circunstâncias,
mas está longe de ser o ideal.
As
leis trabalhistas poderiam ser revistas, claro que sim. Essa é uma discussão
importante, que precisa ser travada com maturidade no Brasil. São leis antigas,
pesadas e que, em muitos casos, fazem mal a empregados e empregadores. O que
deve mudar? Não sei. É caso para debate profundo. Mas sei que ampliar a
terceirização não é uma boa saída.
O
trabalho não é só um meio de ganhar dinheiro. É também um meio de realização
pessoal. Quem serve cafezinho ou varre o carpete pode sentir tanto orgulho do
que faz e de onde trabalha quanto um diretor que ganha 16 salários por ano ou
um matador profissional de gatilho infalível e palavra inamovível. E é sempre
bom lembrar: pessoas felizes com o que fazem, fazem bem feito.
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