07
de abril de 2015 | N° 18125
DAVID
COIMBRA
O rio
Às
vezes, quando fecho os olhos, pouco antes de dormir, às vezes penso que o mundo
inteiro está dormindo naquele momento, e isso... há algo de importante nisso.
Por
mundo inteiro refiro-me ao meu mundo, claro. Ao mundo que me interessa, que são
as pessoas que conheço.
Imaginar
que todas as pessoas estão dormindo é reconfortante. O sono é algo que nos
iguala em nossa condição básica, que é a condição animal. Durante essas horas,
não existem poderosos nem oprimidos, não existem ideologias, dogmas, crenças ou
moral. Ninguém pode fazer mal a ninguém, ninguém faz um comentário ácido na
internet, ninguém tenta convencer ninguém de que algo está errado, até porque
erros não são cometidos durante o sono. Durante o sono, dorme-se, tão somente.
Hitler,
se vivo estivesse, estaria dormindo também, e seu sono seria tão inocente
quanto o de um nenê que nasceu ontem.
É tão
bom pensar isso. Pensar que o mundo está em repouso.
Noite
dessas, alta madrugada, acordei. Continuei deitado na cama, imóvel sob as
cobertas, ouvindo o murmurar do silêncio. Nenhum cachorro latia, nenhum carro
passava ao longe, eu mal ouvia o ressonar da minha mulher, ao meu lado. Então,
baixinho, porém nítido, assomou um assobio. Era um assobio masculino, tenho
certeza, e ele vinha a distância, talvez lá da outra ponta da quadra, além da
esquina.
O
que aquele homem fazia na rua àquela hora? Devia caminhar sozinho e sem pressa.
Ninguém assobia de madrugada, se está acompanhado ou apressado. Imaginei que
caminhasse de mão no bolso, olhando para o céu azul-escuro, admirando alguma
estrela mais vaidosa.
Prestei
atenção para identificar a melodia. Era Moon River, que a gloriosa Audrey
Hepburn cantou sentada à janela do seu apartamento em Bonequinha de Luxo. É uma
música linda e nostálgica. Uma música triste.
Fiquei
ouvindo. Ele assobiava bem. O som veio crescendo à medida que se aproximava. Moon
River. Ele assobiava para si mesmo, nem desconfiava que havia alguém acordado,
deitado, ouvindo. A melodia preencheu o quarto e o meu coração. Era como o rio
da música, lento e eterno, sempre o mesmo e mudando sempre.
Ele
continuou assobiando enquanto se afastava, e a melodia foi se esvanecendo aos
poucos e, naquele instante, por algum motivo, pensei em todas as pessoas que
amo, que estavam quietas no escuro de seus quartos, dormindo, sem saber que, em
certa parte do mundo, alguém assobiava de madrugada e que outro alguém ouvia em
segredo. E, então, senti a emoção aquecer-me o peito, e fiz uma pequena oração
para que, quando a luz retornasse e o rio dos dias voltasse a correr, tudo
ficasse igual como nas horas de sono. Tudo ficasse em paz.
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