25
de abril de 2015 | N° 18143
CLÁUDIA
LAITANO
Espelhos falsos
Serras
elétricas e máscaras sinistras vêm perdendo espaço, na trama dos filmes de
terror, para vídeos caseiros e outras modalidades de assombração mediadas pela
tecnologia. Na próxima semana, estreia nos EUA um filme que parece levar ao
limite o gênero do terror virtual.
A
ação de Unfriended se passa exclusivamente na tela do computador do
protagonista, enquanto a trama, no estilo “eu sei o que vocês fizeram no verão
passado”, envolve um crime urdido na parcela online da vida dos personagens:
uma menina se mata depois que um vídeo comprometedor é postado na rede e, como
assombração digital, volta para punir os responsáveis por sua desgraça.
Nos
filmes de terror clássicos, em geral não nos identificamos com o psicopata
sanguinário que se esconde embaixo da cama. Já um filme de terror que pretenda
refletir as assombrações da vida virtual deveria levar em conta que, nesse novo
ambiente de relacionamento social, vítimas e algozes não apenas convivem, mas
às vezes trocam de posição.
Brincadeira
e crueldade, indignação e linchamento moral podem estar a apenas um clique de distância.
Um dia você é o paladino da justiça, usando a rede social para denunciar a
burrice, o preconceito, a violência. No outro, pode ser a vítima de um
comentário mal-interpretado ou ter algum deslize ou intimidade revelado
publicamente, colocando em risco a sua reputação. Uma hora você é a faca, na
outra o guisadinho.
A
piada sem graça do professor de Direito da PUCRS, comparando a violação de leis
à de mulheres, que gerou indignação e desagravos nesta semana, é mais um
exemplo de caso que ganhou uma dimensão desproporcional quando migrou do mundo
real para o virtual. Professores que mantêm no repertório piadas sexistas ou
referências levianas à violência sexual estão sendo não apenas toscos, mas
anacrônicos – na minha opinião.
Mas
episódios desse tipo podem muito bem ser discutidos no mundo real, na própria
sala de aula, de preferência, ou na reitoria da universidade, em último caso.
Migrando, sem escalas, todos os litígios para o tribunal online – ali onde a
emoção, e não a razão, desempenha o papel de polícia, juiz e algoz –, estamos
contribuindo para a crescente sensação de que a vida cotidiana virou, se não um
filme de terror, no mínimo um cenário de reality show, com espelhos falsos
espalhados por todos os lados.
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