09
de abril de 2015 | N° 18127
CARLOS
GERBASE
OBRIGADO, DONA
LÉA
Dona
Léa é minha mãe. Fará 96 anos em novembro. Em meados dos anos 1960, num dia de
chuva, talvez o dia mais importante da minha vida, eu disse que não tinha nada
pra fazer, já que a lição de casa estava pronta, era impossível jogar futebol e
eu ainda acreditava na mentira de que a televisão só funcionava depois das seis
da tarde.
Compadecida,
a Dona Léa anunciou: “Vou te dar um livro”. Eu respondi que já fizera o tema, e
ela insistiu: “Não é pra estudar. É um livro de histórias. Pra ler”. E, pouco
depois, me entregou o primeiro volume de Os 12 Trabalhos de Hércules, na versão
de Monteiro Lobato.
Na
capa, um homem musculoso e barbudo, só de tanga, atacava um leão imenso com uma
clava de madeira. Coisa estranha. Aquele cara parecia estar fazendo uma besteira.
Comecei a ler... E a minha vida mudou. Nunca mais fiquei “sem nada pra fazer”.
Havia toda a coleção de Monteiro Lobato, depois toda a coleção do Tarzan de
Edgar Rice Burroughs, depois os livros da Agatha Christie, depois os de guerra
da Flamboyant, depois a coleção Argonauta, depois...
É
claro que continuei devorando meus gibis e esperando um novo Tintin a cada
Feira do Livro, mas os livros sem imagens, só de letras, passaram a ser os meus
amigos mais próximos. Gosto tanto deles que, de vez em quando, até me arrisco a
escrever alguma coisa.
Os
olhos da Dona Léa já não permitem que leia sozinha. Ela tem a companhia de uma
leitora em voz alta, a Maria Luiza. No último verão, devoraram as 669 páginas
de Médico de Homens e de Almas, de Taylor Caldwell. É a história romanceada de
São Lucas, e a Dona Léa, católica praticante, adorou. Não li ainda e confesso
que não está na minha lista. Mas fico pensando em sugestões para a minha mãe
continuar lendo e nunca ficar “sem nada pra fazer”, o que é ruim em qualquer idade.
Tem
que ser uma história emocionante, mas sem violência. Tem que ser uma história
adulta, mas não adulta demais. Pensei num dos melhores romances de todos os
tempos, O Vermelho e Negro, de Stendhal. Mas será que as aventuras de Julien
Sorel, que causaram certo escândalo quando publicadas em 1830, vão agradar a
Dona Léa? Será que Hércules derrotará o leão de Nemeia? Será que algum dia vão
inventar coisa melhor que um livro? Duvido.
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