terça-feira, 7 de abril de 2015


07 de abril de 2015 | N° 18125
LUÍS AUGUSTO FISCHER

INSEGURANÇA CULTURAL

Num ensaio original, L’insécurité Culturelle, de Laurent Bouvet (ed. Fayard), li uma síntese que ajuda a entender parte do que se passa cá na Europa, no Ocidente e no planeta em geral. O autor, clássico homem da esquerda democrática, resolveu, nesse livro, enfrentar com uma compreensão mais fina este mundo novo, pós-Queda do Muro e pós-11 de Setembro.

Primeiro, ele observa que a noção de insegurança mudou bastante. Nos anos 1970, o conceito, na França, se referia a pequenos grupos de esquerda radical querendo tomar o poder, ou ao menos assustá-lo. Nos 80 e nos primeiros 90, passou a referir-se à delinquência, muitas vezes ligada à droga.

Foi aí, diz ele, que a esquerda formulou suas propostas de enfrentamento do problema – investir em educação e na integração dos imigrantes e seus filhos à civilização europeia.

Só que o mundo mudou muito: a globalização virou uma realidade cotidiana. Massas de novos imigrantes vieram das antigas colônias para as ex-metrópoles, agora sem serem convidados (no pós-II Guerra, a França fazia questão de receber pessoas dessa mesma origem, porque precisava de operários – mas agora as fábricas não precisam mais dessa gente). E os pequenos produtores rurais passaram a competir não com os vizinhos, mas com produtores de partes remotas da União Europeia e de qualquer canto do mundo.

No campo cultural e político, ocorreu o que, na vida universitária, se chamou de “virada identitária”: criou-se o conceito sociológico e politico de “minoria”, conforme gênero, etnia etc. E entrou em cena o multiculturalismo, segundo o qual as minorias não visam mais à integração pelo que é comum a todos (a condição de classe, por exemplo), mas sim pretendem o reconhecimento pela diferença, que consideram irredutível.

Vai daí, Bouvet pensou no conceito de insegurança cultural para designar a novidade, neste mundo no qual nada mais parece claro, nítido – nem mesmo os antigos valores republicanos, que concebiam todos como iguais e organizavam a visão de mundo e a prática política a partir disso. Um pequeno abismo abriu-se sob os pés de todos.


O que fazer? Bem, ele não arrisca palpitar, e eu tampouco.

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