19
de abril de 2015 | N° 18137
MARTHA
MEDEIROS
Camarim
O que eu menos queria naquele momento era comer, mas
e a desfeita?
E o
desperdício?
Como
se sabe, escritores são convidados a palestrar em Feiras do Livro, Bienais e
demais eventos literários. É uma forma de passar nossa experiência adiante, de
estimular a leitura, de conhecer os leitores e de faturar um cachezinho, já que
também pagamos contas.
Trilhei
o Estado e boa parte do país realizando esses encontros, porém hoje quase não
viajo a trabalho: preciso ficar mais tempo em casa escrevendo, as demandas
aumentaram. Mas, de vez em quando, abro exceções, como quando estive numa
cidade do interior do Rio. Tinha mesmo que ir para a capital, então dei uma
esticada. Tudo certo, até que, dias antes de eu embarcar, a organização do
evento me enviou um e-mail pedindo que eu fizesse as exigências de camarim.
Como
é que é? Por alguns segundos, me senti o Axl Rose. A Lady Gaga. Me vi diante
daqueles espelhos circundados por lâmpadas e elaborei mentalmente uma lista
básica: champanhe brut, queijos franceses, bombons trufados, patê de foie gras,
torradas italianas e Coca-Cola com meu nome no rótulo, ou nada feito. Acordei
do transe com minha própria risada.
Respondi:
olha, nem imaginava que haveria um camarim, mas, havendo, ficaria feliz com um
banheiro e água mineral. Muito grata, até breve.
Eu
não sabia, mas o bate-papo seria no sambódromo local. Havia centenas de pessoas
me aguardando. Fui conduzida ao camarim por guarda-costas. Tinha alguma coisa
errada: será que me confundiam com a Rihanna? Atravessei um longo corredor no
backstage e por fim abriram uma porta com uma estrela dourada, como nos filmes.
Ao
entrar, me deparei com uma mesa que humilharia nossos cafés coloniais. Nunca vi
quantidade igual de frios, pães, salgadinhos, cachorrinhos, sanduíches,
cupcakes, minipizzas, canapés, amanteigados. E, no centro, um grande pote de
vidro repleto de MM´s coloridos. Lembrei da banda Van Halen, que sempre exige
MM´s antes dos shows, só que sem a casquinha que reveste o chocolate. Os meus
tinham a casquinha, era a graça da coisa. Guloseimas com monograma.
Tive
vontade de chorar. O que eu menos queria naquele momento era comer, mas e a
desfeita? E o desperdício? Havia umas quatro pessoas esperando eu avançar,
incluindo um fotógrafo. Alcançavam guardanapos e sugeriam: comece por este, não
deixe de provar o folhado, esse bolinho foi minha tia que fez, aquele
papo-de-anjo é o predileto da prefeita.
Minha
conversa com o público durou uma hora e meia, e passei o tempo todo aflita com
um miolinho de pão que teimou em se instalar entre o incisivo e o canino
superior. Essa coisa de escritor ser tratado como astro pop, convenhamos, é
meio constrangedor. Mas, por via das dúvidas, incluirei na minha próxima lista
uma dúzia de escovas de dente. Com cerdas de nylon ultra soft e de alguma marca
dinamarquesa, pra não me mixar.
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