sábado, 11 de abril de 2015


12 de abril de 2015 | N° 18130
L. F. VERISSIMO

A visita do marajá

O nosso quintal é bem frequentado por pássaros. Alguns vistosos e certamente famosos, que ornitoleigos como eu não saberiam identificar pela plumagem e o porte. Muitos sabiás – os únicos que eu conheço o nome – em constante atividade, catando material e comida para os seus ninhos. Pelo seu número e movimento, desconfiamos de que existe um condomínio de sabiás por aqui, e que o nosso quintal é o centro comercial mais próximo. Mas a maioria é do gênero “passarinho comum”, pequeno e sem graça, da cor, assim, de passarinho. É o povão.

Certa tarde, houve um pequeno alvoroço doméstico. Aparecera um pássaro estranho, nunca visto antes, pousado na pereira. Entre o médio e o grande, com uma longa cauda bifurcada, cinzenta com círculos brancos, e um ar de nobreza enfarada. Ficamos admirando-o, falando baixo para não espantá-lo, e ninguém da casa sabia o que era. Tive que ir ganhar a vida e não pude assistir a sua partida, mas me contaram que ele decolou com a mesma empáfia com que examinara o quintal e suas circunstâncias durante sua breve estada conosco, claramente insatisfeito. O cenário não estava à sua altura.

A velha pereira ainda dá pera, mas com um grande esforço, e só para não sucumbir à amargura comum aos aposentados sem ocupação. Os outros pássaros mantiveram uma distância reverencial do visitante. Conheciam o seu lugar. Era óbvio que ele pousara no lugar errado.

Fiquei pensando em como o maravilhoso pode nos pegar desprevenidos. Era como se um marajá e seu séquito tivessem batido na nossa porta e só o que tínhamos para lhes oferecer era, sei lá, Coca Zero. Perdemos uma oportunidade, não sei bem de quê. Podíamos ao menos tê-lo fotografado, nem que fosse para uma hipotética futura biografia da pereira, em cuja longa vida o único acontecimento notável até então tinha sido a orquídea misteriosa que lhe nasceu espontaneamente numa forquilha. Agora é tarde. Duvido que o visitante volte. Nós o decepcionamos. Não estávamos preparados para ele.

DISPENSÁVEL

(Da série “Poesia numa hora dessas?!”)

Andávamos na areia de mãos dadas

fazendo o possível para ignorar

o pôr de sol de sete tons,

o arco-íris, a lua cheia e o mar,

tudo como num mau pastiche...

Nosso amor dispensava


o kitsch.

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