WALCYR
CARRASCO
14/04/2015
08h00
Dilma, você votaria em você?
A
presidente faz tudo diferente do que acredita ou acreditou. Quais são suas crenças,
seus valores?
A
presidente Dilma Rousseff lutou contra o governo militar. Tem orgulho disso,
porque é um tema que gosta de frisar. Foi presa e cumpriu uma longa pena. Conheci
três mulheres que cumpriram pena com Dilma – no mesmo período, cadeia, e por
acusações semelhantes. Há muito não temos contato. Mas duas delas foram amigas
próximas, na juventude e na maturidade. Com Márcia, a mais próxima, montei um
grupo de teatro popular que se apresentava na periferia de São Paulo.
Nunca
participei da esquerda radical, como Dilma. Boa parte de meus amigos, porém,
foi presa e torturada. Outros desapareceram nas mãos dos militares. Quando
descobriram o cemitério secreto de Perus, onde vários corpos foram encontrados,
lembrei-me de um amigo desaparecido há décadas. Estaria lá? Ainda continuamos
sem saber o que realmente houve com ele. Até hoje, muitos corpos da Guerrilha
do Araguaia permanecem sem identificação. Mães ainda choram os filhos
desaparecidos. Ao menos, queriam saber seus destinos.
Não
fui um radical de esquerda, só estive próximo. Entre meus amigos está Flávio
Tavares, este sim, um dos mentores dos primeiros movimentos guerrilheiros e
jornalista preso não só no Brasil, como, mais tarde, no Uruguai, por militares.
Moramos juntos no México e nossa amizade será para sempre. Também tive a honra
de conhecer de perto, ser vizinho e filar almoços e jantares na casa de
Francisco Julião, já falecido, líder do movimento camponês. Acompanhei o modo
de ser de minha geração, onde, quem não era de direita, pró-militares,
inevitavelmente tornava-se esquerda.
Compareci
à missa da morte de Vladimir Herzog, aos primeiros discursos de Lula no ABC, às
movimentações populares que levaram ao Diretas Já. No dia da eleição de Collor,
o presidente “colorido”, me vesti de
preto. O motorista de um carro me agrediu. Collor ganhou e deu no que deu. Mas
foi parte de um processo político, que amadureceu a democracia.
Acompanhei
a vida de uma geração que se voltou para a política. Contribuiu para a queda do
governo militar e mudou o Brasil. Nunca um país será melhor com uma ditadura do
que com a democracia. Pior se os jornais não puderem noticiar escândalos,
corrupções. Era muito pior quando a sanha de perseguição dos militares obrigou
até mesmo Dias Gomes a escrever uma novela com o pseudônimo de Stella Calderón –
caso contrário não iria ao ar.
A
presidente fez parte dessa geração de militantes. Deixou a cadeia, entrou para
o PDT e mantém o discurso de distribuição de renda. Mas, na campanha eleitoral,
prometeu uma coisa e depois fez outra. Aliás, corretamente, porque o ajuste
fiscal é necessário. Só que ela sabia disso, não? Conheci gente que me garantiu:
– Se
o Aécio ganhar, acaba o Bolsa Família.
Invenção
de campanha, que ninguém sabe de onde saiu. Mas sabemos. Também se disse que a
eleição era uma batalha entre elites e pobres deste país. Mentira. Explodem escândalos.
Um, que não deve ser minimizado, é o dos médicos cubanos. Seu salário é pago
diretamente ao governo cubano, que repassa muito menos. Dilma disse que se
tratava de uma “bolsa”, quando chegaram.
Mas
se fosse uma “bolsa” seriam estudantes. Os brasileiros são o que, suas cobaias?
São médicos, sim. Agora o governo cubano ordena a repatriação de seus
familiares, para não se fixarem no país. Como alguém vive no Brasil às margens
das leis trabalhistas e submete-se, a si mesmo e à família, diretamente ao
governo cubano?
A
trajetória de alguém como Dilma teria sido mais lógica se ela se tornasse oposição.
Cobrasse promessas de campanha. Talvez entrasse até para o PSOL, mais radical. Na
primeira campanha, ela falou até em descriminalização do aborto. Mais tarde,
calou-se a respeito. É um tema controverso, concordo. Mas Dilma, pessoalmente,
pensa o quê? No primeiro mandato, proibiu a distribuição de um kit gay nas
escolas, para não desagradar aos evangélicos.
Respeito
os evangélicos, todo mundo tem direito a ter sua crença e seus valores. Mas
quais são os da presidente? Faz tudo tão diferente do que acredita ou acreditou.
Hoje, com mais de 60% de imagem negativa, ela se mantém isolada, fazendo
acordos, distribuindo cargos, silenciando sobre a corrupção, com um PT acusando
a elite, que só protegeria seus próprios interesses. Diga lá: 60% no país é elite?
Eu
penso: Dilma, esse é o futuro lógico de alguém com seu passado? Falando
francamente: Dilma, você votaria em você?
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