sábado, 18 de abril de 2015


19 de abril de 2015 | N° 18137
L.F.VERÍSSIMO

Cafés

Depois de uma visita à Espanha, escrevi sobre uma tradição dos bares de Madri: a tertúlia, a arte da conversa, ou a conversa transformada em ritual. A conversa não precisa ser sobre nada específico, e pode ser sobre tudo, dos touros à vida alheia. A única regra da tertúlia é que local, hora e periodicidade sejam fixos – um determinado café, no fim da tarde, todas as quintas-feiras, por exemplo. A conversa como uma das artes existe na Espanha desde o século 18, e grandes movimentos artísticos, literários e políticos nasceram em tertúlias famosas de bar.

Houve uma época – segundo o autor de um guia que nos acompanhou na visita a Madri – em que a importância da tradição era tão grande, que não se concebia que um escritor, um artista, um filósofo ou um político não tivesse talento para a tertúlia. De um intelectual que se negava a frequentá-las se dizia “lhe falta café”.

Diminuiu a importância das tertúlias, mas elas continuam em cafés, como o Gijón e o Comercial. O mesmo autor citado encerra seu texto assim: “Não se pode imaginar a Espanha, e Madri especialmente, sem tertúlias. Hoje, como ontem, parece pertinente o conselho de um velho ‘concertulio’ que dizia: ‘En la vida, son fundamentales três elecciones: estado, profesion y café’”.

Pensei nisso porque descobri um livrinho – livrinho mesmo, 66 páginas fora introdução e notas – do George Steiner chamado A Ideia da Europa, em que ele começa escrevendo sobre a importância do café na história do continente. Na política e na cultura europeias, certamente nunca faltou café. E Steiner cita desde o café favorito de Fernando Pessoa em Lisboa até os cafés frequentados por Kierkegaard em Copenhagen, passando pelo café favorito de Stendhal em Milão, o de Casanova em Veneza e os de Baudelaire em Paris.

Os cafés não eram apenas lugares para intelectuais se inspirarem ou se consolarem – e tomarem café, claro –, mas também foram notoriamente locais de conspiração, debate político e tertúlias históricas. Quem quisesse encontrar Freud, Musil e Karl Kraus num mesmo local sabia exatamente em que café de Viena procurá-los.

Danton e Robespierre, os dois líderes da Revolução Francesa, encontraram-se pessoalmente pela última vez no Café Procope, que ainda existe em Paris, invadido por turistas. Talvez, naquele último encontro, conjeturassem sobre qual dos dois seria o primeiro a ser engolido pela revolução. Num café de Genebra, Lenine escrevia suas teses, só parando para jogar xadrez com o Trotsky.

Os protótipos de cafés europeus, para Steiner, devem ser os da sua juventude na Alemanha, lugares para ler jornais de graça, escrever poemas ou tratados explosivos, fugir do frio e passar o dia. E o contrário dos cafés idealizados por Steiner é o bar americano, que tem a sua própria mitologia, mas nada a ver com a ideia da Europa mantida viva nos seus cafés.


Ou alguém pode imaginar Sartre escrevendo sobre a fenomenologia no balcão de um bar americano, arriscado a ser corrido do local por estar consumindo pouco?

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