09
de abril de 2015 | N° 18127
L.
F. VERISSIMO
Calçadas
O
inglês tem um verbo curioso, “to loiter”, que quer dizer, mais ou menos, andar
a esmo, ficar à toa, vagabundear, zanzar (grande palavra), ou simplesmente não
transitar. E, nos Estados Unidos (não sei se na Inglaterra também), “loitering”
é uma contravenção. Você pode ser preso por “loitering”, ou por estar parado em
vez de transitando, numa calçada.
O
que constitui “loitering” e portanto crime e o que é apenas inocente ausência
de movimento ou direção depende da interpretação do guarda. Ou da mesma sutil
percepção que define o que é e o que não é “atitude suspeita”.
É
difícil imaginar outra coisa que divida mais nitidamente o mundo anglo-saxão do
mundo latino do que o “loitering”, que não tem nem tradução exata em língua
românica, que eu saiba. Se “loitering” fosse contravenção na Itália, onde ficar
parado na rua para conversar ou apenas para ver os outros transitarem é uma
tradição tão antiga quanto a sesta, metade da população viveria na cadeia. Na
Espanha, toda a população viveria na cadeia.
Talvez
a diferença entre os Estados Unidos e a Europa e a América latinas e a vantagem
econômica dos americanos sobre os povos que zanzam se expliquem pelos conceitos
diferentes de calçada: um lugar utilitário por onde se ir e vir ou um lugar
para se estar, de preferência com outros. Os franceses, apesar de latinos, não
usam tanto a calçada como sala, mas lá os cafés costumam invadir as calçadas, e
temos o “loitering” sentado.
Não
tenho nada contra shopping centers. Acho mesmo que são o lado positivo da
americanização do mundo. Mas as grandes cidades brasileiras que perderam seus
centros com a proliferação dos xópis perderam também o prazer da calçada como
ponto de encontro e de papo ocioso. Sem falar na falta de segurança que nos
transformou em bichos assustados que hesitam em sair da toca. O resultado é
que, nas nossas calçadas, não somos mais latinos folgados nem americanos
apressados. Somos no máximo transeuntes (horrível palavra).
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