15
de abril de 2015 | N° 18133
DAVID
COIMBRA
A lição do nosso primeiro
inimigo
Nenhuma
mulher paga conta com David Coimbra.
O
repórter David Coimbra não fura pauta.
São
emblemas que carrego pela longa e sinuosa estrada da vida, como diriam Lennon
& McCartney.
As
feministas mais aguerridas, aquelas que até dão sono, gostava de vê-las
ronronarem, quando lhes pagava a conta. E da pauta, quando o editor me passava
pauta ruim, mais feliz me sentia, porque meu orgulho era transformá-la em matéria
boa.
Sim,
senhor, tenho cá minhas vaidades.
Mas
um dia furei pauta, confesso contrito. E não era ruim, era uma pauta
transcontinental. Aproveitei uma viagem à Inglaterra, tomei um trem em Londres
e fui a Exeter, no condado de Devon, a fim de conhecer o primeiro adversário da
história da Seleção Brasileira.
Esse
time, o Exeter City, foi fundado em 1904 e, 10 anos depois, aventurou-se numa excursão
pela América do Sul. Para enfrentá-lo, a Seleção Brasileira foi convocada pela
primeiríssima vez. O jogo se deu no bucólico Estádio das Laranjeiras, do
Fluminense, e o Brasil venceu por 2 a
0.
Entrevistei
vários habitantes da cidadezinha britânica, e o presidente do clube passou a
manhã inteira me mostrando o estádio. Há camisas e fotos da Seleção Brasileira
por toda parte. O Exeter City é da quarta divisão inglesa, não se pode afirmar
que seja um time vencedor, mas sua torcida canta um desafio aos adversários que
poucas torcidas podem cantar:
– Vocês
já jogaram contra o Brasil? Já jogaram contra o Brasil?
Aquela
partida histórica, uma derrota, é o grande orgulho do Exeter City. Levantei
toda a história e, quando ia escrever, descobri que estava doente, tive de
passar por cirurgia, afastei-me por semanas da Redação e... a matéria acabou não
sendo publicada. Quer dizer: tecnicamente, furei a pauta.
É uma
vergonha, mas pelo menos agora estou contando um pouco da saga do Exeter. Tinha
de fazer isso, por vários motivos. O principal foi o que senti ao passar aquele
belo dia em Devon.
O
velho estádio do Exeter é considerado patrimônio do futebol britânico. Pavilhões
de madeira são proibidos na Inglaterra, para evitar incêndios, mas para o
Exeter foi aberta uma exceção, devido à beleza e à antiguidade da arquibancada.
Em seus degraus, leem-se inscrições com a advertência: “Cuidado com a linguagem”.
Ou seja: nada de falar palavrão, que há damas na torcida. Os palavrões,
suponho, ficam reservados para um bar especial que é frequentado apenas pelos
conselheiros, um pub incrustado debaixo das arquibancadas, com torneiras de
chope e tudo mais.
O
Exeter mantém há quase 10 anos o mesmo técnico, Paul Tisdale, apesar de nunca
ganhar título. Nem precisa. Como me disse o presidente, eles vão ao clube para
se divertir.
O
Exeter City me passou uma sensação muito peculiar, tratando-se de um time de
futebol, e era isso que queria contar: foi aconchego. Estranho, não é? Mas é assim
que definiria o Exeter: aconchegante.
Pois
vou lhe dizer: é uma bela de uma qualidade para um time de futebol. Porque, me
desculpe, não consigo levar o futebol tão a sério. Na verdade, não consigo
levar nada tão a sério. Times de futebol não são importantes, partidos políticos
não são importantes, ideologias não são importantes, opiniões não são
importantes.
As
pessoas são importantes.
Viver
um bom dia em harmonia com quem você gosta é importante. Rir bebendo chope com
os amigos num bistrô de Paris, num bar de Porto Alegre ou debaixo de uma
arquibancada, isso é importante. Por isso, façamos como os bretões do Exeter: nada
de nos angustiar com vitórias ou derrotas. Vamos nos divertir.
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