26
de abril de 2015 | N° 18144
ANTONIO
PRATA
Saída para o
mar
Já passa da uma, minha mulher dorme ao meu lado, e,
como em tantas outras noites, faço um carinho em seu ombro, enquanto vejo
televisão. Hoje, porém, meu carinho sai atravessado: estou apaixonado por
outra; Svetlana Samanova, tenista bielorrussa a que, há vinte minutos, assisto
jogar contra uma húngara, ao vivo, no Aberto da Austrália.
Não
foi amor à primeira vista. Quando parei no canal, por acaso, procurando algum
VT de futebol, ela estava prestes a sacar. Tensa, dava pulinhos, levemente
desengonçada, com suas pernas compridas – lembrava uma gringa tentando sambar.
Era bonita, claro, trazia todos aqueles atributos que a simples menção à
palavra “bielorrussa” evoca do lado de baixo do Equador, mas não era perfeita,
tipo a Sharapova, uma playmate/espiã da KGB em filme do James Bond, eu
conseguia até imaginá-la na escola, de aparelho nos dentes, se achando feia
entre bielorrussas bem mais bielorrussas do que ela. Torci, de leve.
Ela
sacou. Fez o ponto. Comemorou discretamente em sua quadra, na Austrália, comemorei
discretamente na minha cama, em Cotia. Três games depois, ela estava prestes a
acabar com a húngara e a arrebatar meu coração.
A
República da Bielorrússia não tem saída para o mar. Sua capital é Minsk. Os
setores econômicos que mais se destacam são a agricultura e a indústria
manufatureira. É o que eu leio na Wikipédia, protegendo a tela do celular com a
mão, como se trocasse SMSs com uma amante. Olho pro lado. Olho pra TV. Estou
dividido entre a realidade desta cama em Cotia e o delírio de Svetlana Samanova,
que geme e sua, do outro lado do mundo.
Não,
eu não trocaria meu mundo por Svetlana. Amo minha mulher, meus filhos. Mas e se
houvesse, sei lá, uma passagem secreta no armário de toalhas, digamos, ligando
o meu corredor a um bosque nos arredores de Minsk? (40% da Bielorrússia é
coberto por florestas, diz a Wikipédia). Eu me sentaria sobre a relva (imagino
que deva haver muita relva, na Bielorrússia), sob a sombra de um carvalho
(idem) e veria Svetlana Samanova surgir detrás de um arbusto. Seria bater os
olhos em mim para ela se apaixonar, óbvio.
Eu
faria alguma pergunta idiota, tentando quebrar o gelo, “Sua família se dedica à
agricultura ou à indústria manufatureira?”, mas ela calaria minha boca e meu
nervosismo com seus doces lábios eslavos. Depois de nossos smashes, aces,
slices e topspins sobre a relva, ainda arfante, ela faria a proposta: “Vem
comigo? Vamos viver pulando de país em país, tomando Bellinis em hotéis de luxo
e sol em iates enormes, num Grand Slam amoroso!”.
Eu a
agradeceria e com a entonação mais Bogart-em-Casablanca que conseguisse
encontrar, recusaria o convite. “Isso tudo é uma ilusão, Svetlana. Do lado de
lá desse carvalho há um armário de toalhas e para além das toalhas dormem minha
mulher e meus filhos.
Você
é incrível, tivemos uma bela aventura, mas é preciso parar por aqui. Espero que
chegue ao #1 da WTA e que um dia encontre um homem capaz de te dar o que você
merece.”. Então eu beijaria sua testa, voltaria pra minha casa, deitaria na
minha cama, retomaria o meu carinho e assistiria Udinese x Fiorentina até o
sono me levar, definitivamente, para longe de Svetlana Samanova e da relva
bielorrussa.
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