11
de abril de 2015 | N° 18129
CLÁUDIA
LAITANO
Prioridades
A
Fundação Scheffel foi o primeiro museu de arte que visitei. Estava lá, com
roupa de domingo, na festa da inauguração, em 1978. Já tinha me admirado com as
botas do gigante no Museu Júlio de Castilhos, mas o museu de Novo Hamburgo não
tinha o apelo das curiosidades históricas – e exatamente por isso me
impressionou tanto. Para que, afinal, serve uma casa vazia cheia de quadros nas
paredes?
Se
as botas de um gigante podem andar sozinhas na imaginação de uma criança, o
quadro na parede ganha vida pelo significado que os adultos emprestam a ele. A
arte – como qualquer tradição herdada, da religião ao time de futebol – é uma
narrativa construída que se passa adiante.
Quanto
mais uma criança for exposta a exposições, peças, shows, mais vai se perguntar
sobre o significado simbólico daquilo que, à primeira vista, não parece atender
a nenhuma necessidade básica imediata. São os adultos que dirão a elas que
museus, monumentos ou mesmo um muro grafitado são importantes – ou não – e por
quê.
Descobri
na Fundação Scheffel, na prática e muito antes de ouvir falar na teoria de
Walter Benjamin, o poder da “aura” de uma obra de arte: a beleza do prédio
antigo recém restaurado, a importância do artista, o pintor Ernesto Frederico
Scheffel, nascido ali ao lado, em Campo Bom, mas com um ateliê em Florença – e
a sensação, então inédita para mim, de que obras de arte são capazes de
contaminar o ambiente com uma atmosfera única, não banal. A tal aura.
Isso
porque, sem qualquer função prática que possa ser comprovada com uma planilha
de Excel, a arte nos arranca da realidade imediata e nos leva para viajar no
tempo e no espaço – e para dentro e para fora de nós mesmos. O mundo, assim,
vai ficando maior, mais complexo, menos tribal. Museus, teatros, bibliotecas e
centros culturais servem para ampliar o horizonte para além da aldeia, mas é
ali que se cultivam a coesão e a identidade dessa mesma aldeia.
Em
tempos de crise, porém, quando governos se apressam a cortar tudo que não
parece prioridade ao olhar preguiçoso de um burocrata, museus, teatros e
centros culturais são os primeiros na guilhotina. A Fundação Scheffel, outrora
um orgulho da cidade, parece ter saído das prioridades da prefeitura de Novo
Hamburgo, que atrasou tanto o repasse de verbas para manutenção da casa, que o
museu foi obrigado a fechar as portas na semana passada. Pra que serve, afinal,
uma casa tão grande e tão cheia de quadros?
Cabe
a Novo Hamburgo, e a todas as cidades do Rio Grande do Sul que estão assistindo
a desmontes semelhantes neste momento, responder de maneira clara e veemente:
para que as crianças aprendam, desde cedo, que seus horizontes podem ir muito
além do que alcança o olhar curto de um burocrata.
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