sábado, 4 de abril de 2015


05 de abril de 2015 | N° 18123
 L. F. VERISSIMO

Mulher, homem

O feto começa feminino, depois é que são acrescentados os atributos, digamos assim, masculinos. Por isso os homens têm mamilos, e não sabem o que fazer com eles. Quer dizer: a história biológica do ser humano é exatamente inversa à do seu principal mito de criação, em que a mulher sai de dentro do homem. O mito é não apenas um desmentido do fato, e do feto, como uma apropriação masculina de um feito feminino.

Ao pôr o primeiro homem para dormir, retirar sua costela e produzir a primeira mulher, Deus fez uma paródia de parto. E com anestesia, um detalhe que não deve escapar às mulheres, depois condenadas por Ele a padecer de todas as dores da procriação enquanto o homem, responsável por tudo, só é condenado a folhear Caras antigas na sala de espera.

Todos os mitos, desde os inaugurais, como toda a cultura humana, têm sido masculinos, num contraponto ressentido com a história biológica, verdadeira, feminina, da espécie. Freud, que, sendo homem, era suspeito, inventou que a mulher tem inveja do pênis.

O homem é que não aguenta a ideia de não estar aparelhado, como a mulher, para se integrar aos grandes dramas reincidentes da natureza, ovulando de acordo com as fases lunares, gestando, parindo e amamentando filhos, e identificando-se com os ciclos de fertilidade da Terra, sentindo as variações de clima e de idade com mais intensidade do que os homens, e ainda encontrando tempo para ir ao cabeleireiro, almoçar com as amigas e dirigir empresas.

Enquanto ele fica de lado, como um penetra, esperando em vão que a vida o chame para as suas graves verdades, e obrigado a inventar uma história de fantasia paralela à história biológica.

A civilização se explica como uma angústia de potência do homem. O que Freud quis dizer era que a mulher invejava o poder falocrata, ou justamente o que o homem inventou para compensar o fato de não ser mulher. Outro mito usurpador.


Em tempo: esta manifestação não é encomendada e não, não pretendo mudar de sexo. É que sempre fui simpatizante.

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