sexta-feira, 17 de abril de 2015

REINALDO AZEVEDO

Governo fora das leis

Pode um presidente cometer um crime para se reeleger e não ter de responder por isso no novo mandato?
A gente percebe a escalada da crise quando se estreita a distância entre um pico de tensão e outro. Sem que houvesse razão para tanto, é bom que se diga, o governo ameaçou comemorar, ainda que discretamente, a suposta baixa adesão aos protestos de domingo... O PT, por exemplo, em seu site, menosprezou os "apenas" (?) 250 mil nas ruas. Ainda que o número estivesse certo (não está), não custa lembrar que, cinco dias antes, os companheiros mal conseguiram lotar uma Kombi no protesto contra a terceirização e em defesa do governo Dilma. O suspiro de falso alívio mal durou 24 horas.

Na terça, dia 14, Leandro Colon, desta Folha, detonava a bomba: a Controladoria Geral da União (CGU) amoitou informação e provas de que a SBM havia pagado propina a funcionários da Petrobras. O início da investigação propriamente, que poderia ter-se dado no dia 29 de agosto do ano passado, foi postergado para 17 de novembro, já selado o destino das urnas. A CGU, como reza a sua página na internet, é um braço da Presidência, cuja titular é Dilma. Toda a hierarquia incidiu na Lei de Improbidade Administrativa, que pode resultar em cassação de mandato.

Raiou o dia 15, e lá estava na cadeia João Vaccari Neto, o tesoureiro do PT. Há pouco mais de dois meses, ele e Dilma compareceram a um mesmo evento, aplaudindo os 35 anos de fundação do partido, que veio à luz em 1980 prometendo "mais ética na política". Vaccari teve participação ativa nas duas campanhas eleitorais da presidente. Há ali uma mistura de fios desencapados com nitroglicerina. Qualquer movimento brusco, buuummm!!!

A notícia da prisão de Vaccari chegou pouco depois de o Planalto ter tomado ciência de que o ministro José Múcio, do Tribunal de Contas da União, decidira acatar parecer dos técnicos e recomendar que se investiguem as chamadas "pedaladas fiscais", com o que concordaram os seus pares na própria quarta. Para maquiar as contas, o primeiro governo Dilma retardou desembolsos devidos à CEF, ao Banco do Brasil e o BNDES. Esses entes tiveram de arcar com o custo de políticas públicas federais apelando aos próprios recursos, o que caracteriza uma forma de empréstimo ao Tesouro, pratica vedada pela Lei de Responsabilidade Fiscal.

É crime de responsabilidade. Rodrigo Janot, com a anuência de Teori Zavascki, faz uma leitura rasa da Constituição e assegura que Dilma não pode ser processada por atos anteriores ao mandato em curso. É? Tal dispositivo da Carta antecede o estatuto da reeleição. Duas perguntas para a dupla: a) então um presidente pode cometer um crime para se reeleger --dar pedaladas fiscais, por exemplo-- e não terá de responder por isso no curso do novo mandato?; b) a eleição acontece em outubro; a posse, só em janeiro. Um reeleito, portanto, tem uma janela de dois meses para delinquir contra a responsabilidade, doutores? Que diabo de leitura é essa?

Que Janot mantenha a sua interpretação obtusa --ao menos até que um dos legitimados para tanto recorra contra ela com uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental. Independentemente da Lei de Responsabilidade, a pedalada fiscal também atropelou a Lei da Improbidade Administrativa.

Dilma deve lamentar como nunca o malogro daquela sua lojinha de bugigangas. Poderia ser hoje uma próspera empresária. O negócio não deu certo. Virou presidente do Brasil.

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