sexta-feira, 10 de abril de 2015


10 de abril de 2015 | N° 18128
MARCOS PIANGERS

Anita e a éclair

O procedimento é sempre o mesmo, deixamos a irmã menor na escola e damos um jeito de passar na confeitaria, porque a Anita adora o apple strudel, o mil-folhas de doce de leite, as carolinas de creme. Mas, acima de tudo, acima de todos os doces do mundo, a éclair de chocolate. No meu tempo, chamava-se bomba de chocolate. Mas éclair fica mais bonito. Prefiro assim. Ela pede uma éclair, eu peço um café. E eu viro espectador desse momento lindo que é uma criança comendo um doce.

A Anita recebe a éclair em um pratinho. Não usa guardanapo, porque gosta de lamber os dedinhos depois. Segura com o indicador e o dedo médio a parte de cima da éclair, aquela parte que tem uma camada de cobertura de chocolate. O polegar aperta o doce embaixo. Nesse momento, o recheio cremoso dá a impressão de que vai transbordar, mas é rapidamente levado até a boca pequena, e posso ouvir o pessoal da mesa ao meu lado comentando “que coisa fofa essa menina”, à boca pequena.

Anita, então, morde com cuidado as camadas de massa superior e inferior, deixando o recheio cremoso de chocolate repousar em sua língua. É a primeira mordida, a segunda mais importante da refeição.

Percebe-se, nesse momento, o recheio da éclair escapando pelo lado oposto ao da mordida. Qualquer cidadão mais inexperiente ficaria desesperado, não saberia o que fazer. Não a Anita. Ela repousa a éclair no pratinho. Não é hora para vãs preocupações. É o momento de lamber a ponta dos dedos indicador e médio, que estão pretos de tanto chocolate. Duas impressões digitais marcam a parte superior da éclair, um lado mordido e o outro com recheio transbordante.

De um profissionalismo tremendo, Anita gira o pratinho em 180 graus, ficando de frente para a parte não mordida da éclair. A próxima mordida não encostará nas camadas de massa: é uma dentada precisa que abocanha apenas os milímetros de recheio cremoso. Dessa forma, a éclair está novamente apta para continuar a ser devorada através do lado já mordido.

Alternam-se, agora, mordidas, lambidas nos dedos, giros de 180 graus no pratinho, dentadas precisas no recheio que ambiciona cair do doce. E assim Anita chega até o último pedacinho da éclair: uma camada superior que ainda mantém um resto de cobertura, o recheio remanescente e uma camada de massa inferior de uns dois centímetros no máximo.


Agora, Anita pega o primeiro guardanapo do dia. Limpa a boca e os dedos. Cuidadosamente, pega a última mordida, o melhor pedaço, pela parte inferior do doce, aquela de massa pura, e sem sujar nem os dedos, nem a boca, abocanha o que restou da éclair. Aproveita os últimos momentos do chocolate nas papilas gustativas. Não há vestígios do doce. Então ela me olha e diz: “Vamos?”.

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