segunda-feira, 6 de abril de 2015


06 de abril de 2015 | N° 18124
DAVID COIMBRA

Sobre meninos e cães

Um menino tem de ter um cachorro?

Cachorros são especiais, bem sei. A relação entre seres humanos e cães é atávica. Acusam-nos pela extinção de centenas de espécies animais do planeta, nesses últimos 200 mil anos. E é verdade. Nós, Homo sapiens, somos eficientes exterminadores. E os mais ferozes dentre nós não são os contemporâneos, como acreditam os idealistas da ecologia. Não.

Os nômades, que aparentemente convivem em harmonia com a natureza, podem ser classificados como os maiores responsáveis pelas raças dizimadas. Os índios, por exemplo, aclamados amantes do ecossistema, o são apenas agora, porque antes eles destruíram tudo que era bicho que os incomodava. Ou você acha que os tigres dente-de-sabre morreram a tiro?

O homem moderno é responsável pela salvação de muitos animais, isso sim. Palmas para nós.

Agora, o que ia dizendo é que nós, Homo sapiens, extinguimos muitas espécies, mas inventamos uma: o cachorro. Todos os cachorros são descendentes dos lobos, até o aviltante pinscher. Os lobos foram domesticados por nós e, no processo evolutivo, se transformaram em cães. Os cães só sobrevivem se estiverem conosco. O que aconteceria se nos recusássemos a conviver com cachorros?

A maioria se extinguiria, e alguns, os mais nobres, como os pastores alemães, fariam o caminho de volta e se tornariam, outra vez, ferozes e independentes lobos. Talvez passassem mais trabalho caçando coelhos e gnus, mas ao menos não se submeteriam à indignidade de abanar o rabinho para animais sem pelo.

Seja. O que quero dizer é que reconheço o caráter único da nossa relação com os cães, o que me faz suspeitar que, sim, um menino tem de ter um cachorro.

É o debate que se instaurou aqui em casa, porque meu filho reivindica um bicho de estimação. Só que ter cachorro aqui, nessa esquina dos Estados Unidos, não é tão casual. Outro dia, recebi uma carta do conselho municipal que fazia, exatamente, o censo dos cães. O município exige saber se você terá um cachorro e se cuidará bem dele. Nunca vi um cachorro na rua por aqui.

Cachorro desacompanhado, digo. Além do mais, não temos espaço para cachorro grande, e cachorros pequenos, francamente, um homem adulto, criado no IAPI, não pode ser visto pela rua passeando com um cachorro do tamanho de um esquilo. É muita delicadeza. Simplesmente não consigo entender as razões evolutivas para um magnífico lobo ter virado algo como um chiuaua. Qual a alternativa?

Meu filho cogitou adotar uma tartaruga, mas argumentei que tartarugas não são animadas. Peixes, menos ainda. Sobre peixes, aliás, li que possuem maior poder de concentração do que as novíssimas gerações humanas, acostumadas à velocidade da internet. Será verdade? Ainda que seja, peixes são menos divertidos do que internautas. Passarinhos? Gosto deles, mas não de mantê-los atrás das grades. Gatos foram vetados pela minha mulher, que desconfia da soberba felina. E agora?


Decidi fazer uma pesquisa por lojas de animais. Adivinhe que bicho encontrei em várias, a bom preço. Você não vai acreditar: cobra. Os americanos têm serpentes de estimação em casa. E ficam fazendo censo de cachorro! Certo: entre uma cobra e um pitbull, vou de cobra. É menos perigosa. Mas animais sem pernas me dão arrepios. Talvez tenha de optar mesmo pelo cachorro pequeno. Maldição. Se você me vir passeando com um bicho menor do que uma caixa de sapatos, não vá pensar coisas. Estou apenas me rendendo aos truques da evolução. Continuo com a alma do IAPI.

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