20
de abril de 2015 | N° 18138
L. F.
VERISSIMO
A mulher feia de cada um
Para-choques
de caminhão têm sempre o que dizer, e algumas das suas frases tornaram-se clássicas.
Há declarações religiosas, num tom de catequese ressentida (“Deus é maior do
que você merece”). Há as frases que tratam das agruras do casamento (“Se
casamento fosse coisa boa, não precisava de testemunha”) e das suas consequências
indesejáveis (“Deus fez a mãe, e o Diabo fez a sogra”).
Algumas
são sobre o sexo (“Bom é mulher carinhosa e embreagem macia”), e sobre as
armadilhas do sexo (“Casamento que começa em motel termina em pensão”), outras
são exemplos de sabedoria prática (“Devagar se vai ao longe... mas leva muito
tempo”, “Cana dá pinga, pinga demais dá cana”, “Em terra de sapo, mosquito não
dá rasante” etc), e outras, apenas confessionais (“Devo tudo à minha mãe, mas
estamos negociando”).
A
minha frase de para-choque preferida é “Se me virem abraçado com mulher feia,
podem apartar que é briga”. Uma frase preconceituosa, é claro. Se você for
examiná-la de perto – o que é sempre desaconselhável com qualquer piada –, a
frase é cruel. A mulher tem muitas maneiras de ser bonita sem, necessariamente,
ser vistosa.
E há
muitas razões para se estar abraçado com uma mulher feia sem que seja briga. O
importante na frase é o que a mulher feia significa para cada um. A mulher da
frase, além de feia, é simbólica. Representa todos os mal-entendidos que
queremos evitar a nosso respeito. Ela é a causa que nunca abraçaríamos, embora
pareça que sim.
Por
exemplo: se me virem participando de uma manifestação de rua em que também
participe o Jair Bolsonaro ou similar, com faixas pedindo a volta da ditadura
militar, podem ter certeza de que, ou não sou eu, ou entrei na manifestação
errada. Os outros manifestantes podem não se incomodar com a companhia, e sua
decisão é respeitável. Mas eu sei bem que mulher feia não quero do meu lado.
Acho
que todo mundo deveria se preocupar com a mulher feia que aparecerá na sua
biografia quando contarem a história destes tempos. Estamos vivendo um preâmbulo
de golpe, em que as causas se misturam, a fronteira entre o oportunismo político
e o moralismo exacerbado se dilui, e as definições são impossíveis – pelo menos
definições claras e precisas como as de um para-choque. Mas, no futuro, cada um
terá de dizer se estava dançando ou brigando com mulher feia.
Nenhum comentário:
Postar um comentário