05
de abril de 2015 | N° 18123
FABRÍCIO
CARPINEJAR
Meus Velhos
Meu
amor pelos pais hoje é silencioso.
Não
me interessa mais ser compreendido, ter razão, confirmar a inteligência. Não
busco ganhar discussões, convencê-los de minhas ideias.
Não
me sento rebelde à mesa, não parto da sala de jantar enfurecido com os sermões.
Não puxo temas como aborto e pena de morte. Não me desgasto com política e
futebol. Não fico em cima para mudar seus votos e denunciar seu conservadorismo.
Eu me retiro da minha vaidade, por um breve tempo, para admirá-los envelhecendo
e guardá-los em mim.
Às
vezes pergunto que novela é aquela que está passando na televisão para, em
seguida, retomar minha quietude. Outras vezes, nos intervalos comerciais,
comento notícias rápidas sobre a saúde dos netos.
Esqueço
o mundo, e também me esqueço. Não me importo se aprovam e desaprovam a minha nova
mulher, se concordam e discordam com o meu estilo de vida.
Não
compro briga, não vendo briga. Eles mal reparam em minha presença, não lembram
que estou próximo, desapareço pela casa.
Não
preciso que me digam que me amam e que se desculpem por alguma falha. Meus pais
passam a ser unicamente meus pais. Não melhores, nem piores: meus pais. Não
projeto minhas expectativas, não reivindico a fonte das frustrações. Sequer
identifico traços de seus antigos ofícios. Parece que nasceram pais. São tão
somente meus velhos e eu sou o filho deles.
Dedico
um longo olhar atento e vigilante. Dedilho os lábios em oração. Torno-me menos
carente e mais útil.
Acompanho
os dois a um passo deles, jamais denunciando que estou seguindo.
Eu
me preocupo em ajeitá-los com os dois travesseiros, em oferecer o braço para
descerem do carro, em limpar o canto de suas bocas após uma refeição, em descalçar
seus pés, em preparar um chimarrão e buscar água gelada na cozinha, em pagar as
contas dos restaurantes, em ajudá-los a tirar o pulôver sem raspar o rosto.
Minha
voz converte-se em gesto. Não quero sensibilizá-los além da conta. Acabaram as
revoluções, os momentos de brabeza entre nós, anulamos as diferenças.
Não
falo com meus pais. É um esforço meticuloso de mímica e de cuidado.
Tenho
medo de irritá-los, tenho medo de estragar a nossa amizade, e que não dê mais
tempo para a nossa reconciliação.
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