26
de abril de 2015 | N° 18144
LUÍS
AUGUSTO FISCHER
Umas do
português
Em almanaques e jornais antigos era comum aparecer
uma seção de piadas, de vez em quando catalogadas por assunto – de papagaio, do
Joãozinho, de padre. Volta e meia se repete uma onda assim, como uns anos atrás
ocorreu com aquelas perguntas sobre o que significava um pontinho marrom aqui,
um amarelo lá, etc. E tinha as de português, nosso predileto para falar de
gente pateta, tapada, sem noção.
A
era da correção política (o inglês diz “political correctness”, “correção
política” em português, mas resultou uma coisa meio estranha, o “politicamente
correto” – ah, a maleabilidade da nossa língua de cada dia!) meio que acabou
com essa pegação de pé nos portugas, nossos irmãos no uso da língua.
Irmãos
ou pais? Mais isso que aquilo, historicamente. Mas hoje a coisa é estranhamente
diferente.
Senão
vejamos a dimensão numérica da coisa. Uma rápida ida à Wikipedia combinada com
algumas operações de regras-de-três nos dizem que os brasileiros somos uns 76%
dos falantes nativos do português, considerando a totalidade dos falantes de
português do planeta. Portugal, com seus 3%, vem em quarto lugar, depois de
outras duas ex-colônias, Angola (uns 8%) e Moçambique (uns 7%). O restante
dessa conta fica com os lusofalantes de Guiné-Bissau, São Tomé, Cabo Verde,
Timor Leste, Macau e alguma outra paragem.
Somos,
os 200 milhões de brasileiros, mais de três quartos do conjunto dos falantes
nativos da língua de Camões e de Machado de Assis. Mas nem isso nos habilitou,
até agora, para liderar um processo de difusão cultural letrada dos altos
valores que em nossa língua já apareceram. O recente acordo ortográfico, muito
mal concebido e cheio de problemas que o Cláudio Moreno volta e meia discute
com propriedade, não só não resolveu como complicou um pouco mais as coisas. Em
Portugal, esse acordo não é respeitado, ao passo que os brasileiros o temos
levado a sério, do jornalismo e das editoras à sala de aula.
Um
acordo como esse, entre países que usam formalmente a mesma língua, deveria ter
algum poder – não, como sonham os ingênuos, de homogeneizar a fala, nem o
significado das palavras, mas de disciplinar a escrita. Na Europa e em fóruns
internacionais em que nossa língua tem espaço oficial, o acordo deveria ter
aplainado arestas e dado maior respeitabilidade, mas não. Não sendo eu
especialista na área específica, não tenho condições de sugerir como ele
deveria ser, mas posso estimar o ganho que teríamos.
O
caso local da França: estimativas dão 2% de falantes do português no país de
Voltaire e Proust – e isso alcança a nada desprezível cifra de mais de um
milhão de almas! A observação geral, cotidiana, correta apesar de não científica,
localiza estes falantes basicamente em uma mesma zona social – a classe média,
da metade para baixo, ali onde vivem os trabalhadores em construção civil e a
das zeladoras de edifícios – impressionante isso.
Brasileiros
imigrados para cá são bem poucos, embora haja mais de meio milhão de turistas
ao ano na França. Isso significa que os 2% são imigrantes basicamente nascidos
em Portugal mesmo, que vieram para cá desde os anos 60, para várias grandes
cidades francesas, muitos vivendo em cidades-satélites e nas periferias. (O
conjunto dos emigrantes portugueses na Europa remete ao país de origem mais de
2,4 milhões de euros ao ano, dado de 2011, que se lê em jorgeruivo.free.fr, um
especialista no tema). Dá para deduzir sem dificuldades que na maioria esses 2%
são pessoas de pouca escolaridade.
Mas
seus filhos estudam na excelente escola pública francesa; no comércio não é
raro ser atendido em português, por filhos de imigrantes já nascidos na França,
que têm o português como língua familiar. Alguns deles alcançam a universidade,
e uns poucos desses vão cursar Letras, para se graduarem em Português – e eis
aqui o universo básico dos futuros professores da nossa língua nas escolas
públicas francesas, nos poucos locais onde ela é ensinada; eis aqui o caminho possível
da literatura brasileira sem tradução em terras francesas.
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