quinta-feira, 16 de abril de 2015


16 de abril de 2015 | N° 18134
LUCIANO ALABARSE

CONVERSAS COM FLORES

Nunca tive inclinação para jardinagem. Mas, desde que minha mãe morreu, cuido de suas plantas e tento seguir seus métodos, inclusive um estranhíssimo, o de falar com elas como se tivessem vida e entendimento. Minhas atuais conversas com suas flores a deixariam horrorizada. Se vejo que não vicejam como eu gostaria, com verve sanguinolenta ameaço decepá-las sem dó, afianço que vou deixá-las torrar sem água sob o sol inclemente, coisas do tipo. Mas não sou nenhuma Clarice Lispector. Não esqueço minhas obrigações. Certamente não irão morrer ou inspirar livro infantil nenhum.

E que elas não me escutem: jamais cumpriria tais ameaças, pois finalmente aprendi a amá-las. Minha mãe deve estar feliz. Meu pai também. Sorririam incrédulos ao ver o filho, literalmente, sujando com gosto as mãos no jardim. As tradições longevas da família estão mantidas.

Falando em tradições: uma lenda do Japão medieval conta a história do yonashi namazu, peixe-gato que, em cenários de crise, aparecia para curar a corrupção política do mundo, gerando terremotos que produziam caos e destruição.

Os japoneses ricos, diante da catástrofe, eram obrigados a liberar recursos para promover a reconstrução econômica do país. Desenhos mostram executivos elegantes vomitando moedas de ouro em direção aos operários famélicos. Os conterrâneos desempregados recebiam, assim, assistência, trabalho e pão. 

Esses peixes agiam também sobre perseguições religiosas que descambavam para a violência premeditada. O Brasil do PIB vergonhoso e o Estado Islâmico, com suas decapitações e fanatismo assustador, precisariam provar a ira dos yonaschi namazu. Essa e outras lindas histórias orientais aprendi lendo A Terra Inteira e o Céu Infinito, da Ruth Ozeki.


Segundo Montaigne, “todos chamam de barbárie aquilo a que não estão acostumados”. Ao ver o vídeo em que homens armados com porretes e fuzis destruíram monumentos de 3 mil anos de história, foi essa a palavra que traduziu meu assombro: barbárie.

Nenhum comentário: