28
de abril de 2015 | N° 18146
CARPINEJAR
O mistério do cofre de meu pai
Meu
pai tinha um cofre. Ficava atrás de um quadro do Vasco Prado, em nossa antiga
casa na Rua Corte Real, em Porto Alegre (RS).
Ninguém
conhecia a senha, a não ser ele.
Ninguém
enxergava o que ele colocava lá.
Imaginávamos
maços de dólares e sacos de cruzeiros. Imaginávamos, eu e os irmãos, que ele alimentava
uma montanha de moedas do Tio Patinhas. Que usava uma pá para tirar o excesso e
nos repassar a mesada que gastávamos com balas Xaxá no armazém da esquina.
Quando
ele mexia no esconderijo, não podíamos permanecer perto. Chamava a nossa mãe
para nos levar embora. Era uma questão de segurança.
Um
dia, o Rodrigo apareceu com estetoscópio de médico para ouvir o que tinha
dentro. Outro dia, o Miguel bateu com um martelinho para verificar a
profundidade do fosso. E ainda teve um dia em que a Carla arriscou uma combinação
a partir da data de aniversário do pai, não deu certo e quase fomos pegos.
O
segredo durou minha infância inteira. Até nossa residência ser assaltada
enquanto veraneávamos em Pinhal (RS).
Assaltantes
entraram pela janela do banheiro. Entortaram as grades. Levaram a televisão
preto e branco e grande parte dos eletrodomésticos.
Ao
voltar da praia, meu pai – percebendo a casa depenada – correu em direção ao
escritório. Aproveitamos o desespero para ir atrás. Não seríamos impedidos
naquela hora trágica.
Largamos
as malas no meio do corredor e seguimos a sombra paterna.
O
cofre está escancarado. A porta de metal finalmente aberta, estouraram o disco
de acesso.
O
pai pôs, com extremo cuidado, sua mão no interior do quadrado na parede. Lembro
o suspense, a minha respiração parou.
E
trouxe do fundo do buraco seis espirais, seis cadernos amarelados.
– Ufa,
não levaram!
Carla,
a irmã mais velha, perguntou o que era aquilo, pois aquilo não era dinheiro.
– Meus
livros de poesia! – o pai respondeu.
Ele
usou o cofre para guardar o que possuía de mais precioso: sua obra inédita.
Antevejo
a decepção dos ladrões ao puxar um amontoado de versos. Tanto trabalho para
explodir o cofre e só acabariam mais cultos e ricos de espírito.
Mergulhamos
em estado de choque. Tampouco cogitávamos a hipótese de ser algo diferente do
que uma poupança.
O
episódio transtornou o meu modo simplista e direto de entender as pessoas. Cada
um tem sua fortuna misteriosa. Algo que é somente valioso pelo sentimento e que
não tem como ser valorizado por quem é de fora: um brinco dado pelo marido, uma
compilação de receitas herdada da avó, um álbum de figurinhas, uma caneta
tinteiro, uma camisola.
Não
menosprezo os objetos da casa dos outros. Não jogo nada fora que não seja meu. Toda
recordação pode ser de amor, e o amor é um cofre onde nos protegemos do
esquecimento.
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