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quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011
02 de fevereiro de 2011 | N° 16599
DIANA CORSO
Boa trégua!
Quando a vigência dos campos de concentração chegou ao fim, os sobreviventes, prisioneiros de várias partes do mundo, começaram a abandonar a Polônia. Alguns partiram rumo ao que restara de seus países, famílias e casas. Outros, que haviam perdido as referências e esperanças, procuraram outros destinos ou a terra prometida de Israel.
Nesse momento, por dentro dos cenários de destruição e confusão que caracterizavam a Europa do pós-guerra, vagava um grupo de italianos provenientes de Auschwitz, do qual fazia parte o escritor Primo Levi.
Devido a burocracias de um planeta em renegociação política, eles foram levados na direção contrária para a qual deviam ser enviados: foram para o norte, para a Rússia. Ali passavam sendo removidos de uma cidade para outra, numa marcha sem sentido, explicações ou informações.
Livres da opressão dos nazistas, as más condições de vida e o caráter errático da viagem pareciam suportáveis, passíveis até de serem narradas de forma literária, por vezes até pitoresca. Esse é o argumento do livro A Trégua, no qual Levi conta a parte final de sua experiência como sobrevivente dos campos.
Ao finalmente aproximar-se da Itália acometeu-os algo maior do que a saudade: o medo da volta. Quem eram aqueles farrapos humanos cheios de memórias inenarráveis? Sentiam “fluir nas veias o veneno de Auschwitz”, faltava-lhes força para voltar a viver. O projeto de retomar um cotidiano que nunca mais faria o mesmo sentido era uma ameaça.
Frente a isso, os estranhos desvios que, principalmente através da Rússia, Romênia e Hungria, os levaram para casa, acabaram assumindo o significado de umas estranhas férias. “Os meses transcorridos, embora duros, de vagabundagem às margens da civilização, pareciam agora uma trégua, um dom providencial, embora irrepetível, do destino”, observa Levi.
Talvez a ideia da trégua seja uma ilustração possível para o que podemos esperar das sempre merecidas férias: ficar em um lugar onde sejamos ninguém, onde nossa presença não faça sentido algum e o rumo que tomamos não tenha objetivos pragmáticos.
Partir do que nos assombra a alma rumo a algo que representa, mais que prazer e felicidade, uma trégua, um lugar e um momento para não ser. Levi, cujas narrativas jamais eram trágicas ou de autocomiseração, carregava um pesadelo que jamais o abandonaria, não podia almejar mais do que alguma trégua.
Quanto a nós, que não tivemos essa vivência extrema, também precisamos algum descanso do nosso cotidiano opressivo, no qual, de um jeito ou outro, sempre nos afogamos. Boas férias, ou melhor, boa trégua!
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