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sábado, 26 de fevereiro de 2011
26 de fevereiro de 2011 | N° 16623
NILSON SOUZA
Formigas
Nunca tive medo de tempestades, nem mesmo quando era menino e via minha mãe cobrindo às pressas os espelhos da casa, provavelmente na suposição de que os relâmpagos pudessem ser atraídos pelas superfícies refletoras. Mais tarde descobri que esta crendice tem entre suas origens as armações de metal que amparavam grandes espelhos nos tempos coloniais e que, às vezes, funcionavam mesmo como para-raios.
Os cientistas dizem que muito mais perigoso é ficar em contato com a água, esta, sim, um condutor elétrico capaz de captar uma descarga fatal. Pois bem, embora não me assustem as tormentas, já ando olhando desconfiado para as nuvens escuras que pairam sobre nossas cabeças nestes meses de verão. Elas agora deram para despejar a água num lugar só, de supetão, em vez de protagonizar uma chuva democrática e saudável, como faziam desde o início dos tempos.
Já não se fazem mais chuviscos como antigamente, nem mesmo aqueles pinga-pingas demorados e deprimentes que prendem as pessoas em casa. Não. Agora São Pedro deu para esvaziar a caixa-d’água do céu sem qualquer aviso, invariavelmente emborcando-a sobre a cabeça dos desavisados transeuntes do cotidiano. Viramos formigas de jardim na hora da rega.
Em segundos, passa-se do seco para o alagadiço, as ruas viram rios, os morros derretem como sorvete, e a água despejada do alto leva tudo por diante, inclusive vidas. Tem muita gente convencida de que andamos mexendo demais com o planeta e que essas trombas-d’água localizadas podem ser uma espécie de troco de madame Gaia, como talvez também o sejam os terremotos, os tsunamis e outras catástrofes naturais.
Pode ser – e pode não ser, pois também já ouvi de um respeitável ambientalista que, por mais que nos esforcemos para poluir, desmatar e consumir, não fazemos nem cócegas na Terra. Disse o homem:
– Não estamos destruindo o planeta como muita gente pensa. O tempo geológico é diferente do nosso. Estamos, isto sim, provocando a nossa própria destruição.
Somos, outra vez, reles formigas diante de uma gigantesca bola viva, que nem se abala com a nossa incômoda presença. Seja como for, o efeito bumerangue parece claro. A borboleta bate asas na China e alguma coisa despenca por aqui. Esta semana mesmo, a Nova Zelândia teve um tremelique e o sítio da Família Lima, em Sapiranga, foi levado pelas águas sem que ao menos estivesse chovendo no local.
Acho que vou começar a cobrir os espelhos.
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