domingo, 13 de fevereiro de 2011


CLÓVIS ROSSI

O Egito e seus dois mistérios

SÃO PAULO - A manchete desta Folha de sábado capturou em apenas duas linhas, com rara felicidade, 30 anos de história: "Em 18 dias de protestos, egípcios derrubam ditador de 3 décadas".

O título embute duas questões que eu pelo menos não consegui responder, por mais que tenha me dedicado com toda a paixão à conjuntura desde a eclosão da revolta na Tunísia, a mãe de todas elas.

Primeira questão: por que agora, depois de 30 anos? Na verdade, muito mais de 30 anos. Para ficar só no Egito, apenas no século 19 houve algo que se poderia chamar de democracia, mesmo assim com muita liberdade poética.

Nem havia agora a pressão, adicional à falta de democracia, de uma situação econômica dramática. Ao contrário, o país vem crescendo à média de 5%, mais do que a média brasileira dos últimos oito anos de glorificação do governante.

Claro que o crescimento é terrivelmente mal distribuído, mas essa é uma característica eterna nos países periféricos e que começa a contaminar os desenvolvidos.

Por que então, de repente, as massas saem às ruas e nela ficam 18 dias ininterruptos, até ganhar?

Segunda questão: foram os egípcios, assim anonimamente, que derrubaram o ditador? Não havia aiatolás a instigá-los, como no Irã de 1979, especialmente uma figura mitológica como Khomeini. Não havia igrejas protestantes a dar-lhes abrigo, como no início dos protestos na então Alemanha Oriental. Não havia um sindicato Solidariedade a desafiar a institucionalidade comunista como na Polônia.

Talvez -e forçando a mão- a única similitude seja entre o jornalista Camille Desmoulins, arengando à massa até a tomada da Bastilha, em 1789, e Wael Ghonim, o executivo do Google iniciando a convocação dos protestos no Egito.

O fato é que o Egito-2011 representa um tremendo desafio para jornalistas e historiadores.

crossi@uol.com.br

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