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sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011
11 de fevereiro de 2011 | N° 16608
DAVID COIMBRA
A pouca importância da liberdade
Olimpíada de 2008. Estava debaixo do céu de chumbo de Pequim, um céu sem estrelas, conversando com três chineses que haviam passado um ano estudando em Porto Alegre. Por algum motivo, mencionei o nome “Gisele Bündchen”. Eles piscaram os olhos amendoados. Quem? Who? Eu:
– Gisele Bündchen. A modelo.
Eles se entreolharam. Supus que talvez não estivessem ligando o nome à pessoa. Como viajava munido de um moderno Blackberry, recorri à internet e mostrei-lhes uma foto da nossa menina de Horizontina. Os três balançaram as cabeças orientais. Não sabiam quem era.
Não era possível. Não tinham morado no Brasil? E no Estado da Gisele??? Sim. Mas não tinham ideia de quem se tratava. Porque, em Porto Alegre, os três mantiveram-se fechados em seu grupo, quase não saíram, quase não mantiveram contato com brasileiros. Estavam livres, mas tiveram medo da liberdade.
Corta.
Dias depois, quando critiquei a ditadura chinesa por ter censurado os veículos de imprensa durante a Olimpíada, os três se colocaram ao lado dos governantes. “Esse é um país muito grande, com grande população”, argumentavam. “É preciso haver controle”. Fiquei estarrecido.
Mas depois compreendi que os dois fatos tinham a mesma origem: a falta de liberdade. Os chineses, em seus 5 mil anos de história, jamais provaram o gosto da liberdade. E a liberdade é assim: só se torna importante se você um dia a teve.
A liberdade, na verdade, é superestimada. É uma palavra bonita, rebrilha nos hinos dos países, nas canções épicas dos engajados e nos anseios dos adolescentes, mas as pessoas não se importam tanto se não são livres. Liberdade é um valor secundário para o comum dos humanos.
Agora mesmo, no Egito e na Tunísia, diz-se que seus povos estão lutando por liberdade. Balela. Essa ditadura que os egípcios vão derrubar existe há 30 anos. Toda uma geração. Por que só agora eles estão gritando por liberdade? Porque a crise internacional agravou os problemas econômicos do país. Se o povo egípcio vivesse em segurança, se tivesse saúde no corpo e comida na mesa, seu ditador continuaria popular, rico e intocado.
A ditadura chinesa se sustenta com a prosperidade. A ditadura egípcia está caindo pela falta de prosperidade.
O Brasil não é diferente. Nos anos 70, tempos do Milagre Econômico, o povo não reclamava da ditadura. Médici era tão popular quanto Lula. Ainda hoje há quem se diga saudoso dos militares devido à insegurança. Por que, mais tarde, a democracia se consolidou? Porque o Plano Real deu certo e porque os governantes dos últimos 17 anos foram sensatos, economicamente falando.
Mas ainda que o Brasil fosse assolado por nova crise econômica, ainda que a hiperinflação voltasse, é improvável que o brasileiro tolerasse outra ditadura. O brasileiro mudou. Experimentou a democracia, saciou-se de liberdade e agora não suportaria restrições.
O Ocidente teme que o obscurantismo religioso tome conta do mundo árabe? Então, que o Ocidente financie a democracia. Que bote comida na mesa das populações árabes. Que transforme a subalterna liberdade em artigo de primeira necessidade.
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