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segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011
14 de fevereiro de 2011 | N° 16611
LUIZ ANTONIO DE ASSIS BRASIL
O silêncio
Nino Rosso, o célebre trompetista italiano, inundou o mundo com o seu Il Silenzio, em meados dos anos 60 do século anterior. Foi um silêncio expresso em notas musicais – mas tão doces, lentas e meditativas que equivaliam a uma perfeita ausência de sons.
Em meados do século 20 não era possível imaginar a bárbara cacofonia em que estamos imersos. Ninguém pode dizer que é imune à barulheira geral. Janelas de vidros duplos, cortinados, revestimentos das paredes com cortiça etc., nada, completamente nada, nos põe a salvo da obscena e estentórea propagação dos sons. O pior é que esse fenômeno é apenas o sintoma de outro, bem mais sombrio: a falta de civilidade, que nada mais significa que desrespeito ao semelhante.
O barulho – o fazer barulho – tornou-se uma especialidade dos brutamontes que povoam nossa cultura de massa, habitantes dessa disneylândia geral em que se transformou o mundo contemporâneo. O barulho vem a par da violência, e está correlata a esta.
A violência se expressa de várias maneiras: na facada, no tiro, na bofetada, mas também por outras maneiras, elípticas, como o número de decibéis impostos às pessoas. E isso está no som dos carros, nas festas de formaturas, nas comemorações esportivas – a lembrar das grotescas vuvuzelas, que quase põem a perder a Copa do Mundo na África do Sul –, na amplificação ao infinito dos instrumentos das bandas, nos bares. Nem a música de concerto está imune: mesmo para um delicado trio de Beethoven, preveem microfones colados ao violino, ao violoncelo, ao piano.
A saturação sonora tornou-se tão habitual que até ganhou outro sentido a frase dos romances: “...havia um estranho silêncio”. Se ontem isso significava apenas má literatura, hoje é a mais pura verdade. O silêncio tornou-se estranho. Uma jovem foi convidada para a comemoração de umas bodas de prata. Ao chegar, girou o olhar, pensou, disse: “Está faltando alguma coisa, nessa festa”.
Intrigada, foi para seu lugar, no caso, uma mesa dentre as várias de um jardim. Chegaram os convidados, os garçons começaram a servir, as pessoas, conversando, conseguiam emendar um assunto no outro, até sorriam. Tudo muito estranho. Nesse momento, alguém pôs um som mecânico, alto a ponto de rasgar as orelhas. “Ah, era isso que faltava!” – disse a moça. A partir daí cessaram as conversas – e a própria vida.
Quanto à moça, ela mergulhava em seu prodigioso universo de estrépitos, lá onde ela é feliz. Ou pensa que o seja.
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