domingo, 20 de fevereiro de 2011


Editorial Folha

Livres para abusar

Os bancos podiam até não saber do esquema de fraudes de Bernard Madoff, mas tiveram papel central na crise que levou à grande recessão "Eles tinham de saber." "Eram cúmplices." "A cegueira era voluntária."

Quem acusa é Bernard Madoff, responsável pela maior fraude financeira da história dos Estados Unidos.

"Eles" são bancos e fundos de investimento de alto risco que prestavam serviços a Madoff. Ele emitiu seu libelo da cadeia onde cumpre pena de 150 anos, numa entrevista ao jornal "The New York Times".

Os malfeitos de Madoff foram um dos muitos esquemas fraudulentos revelados durante a grande crise financeira de 2007-2009. Em si mesmos, seus crimes têm escassa relação com as engenharias financeiras e os desequilíbrios econômicos que acabaram por provocar o grande pânico de 2008.

Mas Madoff foi preso em dezembro de 2008, menos de três meses depois que algumas das maiores instituições financeiras dos EUA quebraram. Sua história tornou-se um símbolo da era de grande complacência em relação às aventuras, abusos e degenerações do mercado financeiro.

O financista montara uma administradora de investimentos fictícios que ludibriou centenas de milhares de investidores, com prejuízos finais de US$ 20 bilhões (cerca de R$ 33 bilhões).

Madoff não foi o primeiro a acusar os bancos de vista grossa em relação a movimentos bilionários de dinheiro, alguns dos quais ele nem mesmo procurava associar a operações fictícias com ações.

Houve quem alertasse os reguladores norte-americanos de que os lucros reportados por Madoff eram impossíveis dada a sua carteira de investimentos. Foram ignorados. No inquérito judicial, soube-se que funcionários de bancos fizeram o mesmo alerta à direção de suas firmas. Há suspeita de que alguns fundos, cientes do esquema, sacaram recursos ao perceber que tudo desabaria.

Madoff apenas pagava a seus investidores o dinheiro que recebia de novos aplicadores em seu negócio. Tocava uma enorme, mas vulgar pirâmide financeira, em escala mundial. Tudo ruiu quando seus investidores, avariados pelos prejuízos da crise em curso, tiveram de sacar suas aplicações.

A ação de Madoff era, pois, manifestamente criminosa; já o logro dos papéis imobiliários supervalorizados por bancos e fundos, que detonaram a crise de 2008, era aparentemente legal. O caso sugere, pois, uma paráfrase de uma velha piada comunista sobre qual a maior torpeza: roubar ou fundar bancos?

Houve um conluio entre financistas e autoridades, um conúbio de negligência e cupidez, que ofereceu ao mercado financeiro poder e liberdade inéditos para malversar recursos, investir impunemente de modo inepto e ludibriar a opinião pública.

Tanta licenciosidade abriu espaço para a atuação de Madoffs e seus crimes tipificados em códigos e jurisprudências. Espantosa, porém, foi a tolerância com os abusos dos bancos, livres para quebrar as maiores economias do mundo. "Eles" talvez até não soubessem dos crimes de Madoff. Mas sabiam muito bem da fraude financeira que levou o mundo à grande recessão.

Nenhum comentário: